quinta-feira, 6 de abril de 2017

O sofista que habita nossa pele



Extirpar o sofista que habita nossa pele, ou brincar de sofista sendo filósofo - sem o ser?
Entre a mentira gozosa do sofista e a verdade seca do filósofo, o que preferir?
A opinião desinteressada é falha, mas é gostosa! ...
A verdade é majestosa, porém, imposta? ...
É bom roçar a mentira porque ela tem um sabor de pecado
Já a verdade, gosto não tem!

Pecado e chocolate ... coisas resistíveis?

***

Descartes explica cuidadosamente o quanto é difícil para nós desconstruir preconceitos.

A imagem do sofista é a de um falastrão, isto porque o sofista ama o relativismo.
Essa perspectiva que deprecia o sofista, de fato, foi construída historicamente a partir de filósofos importantes, como Platão.

Felizmente, ao longo do século XXI, os estudiosos de filosofia antiga mostraram o quanto estes sábios itinerantes foram originais e que esta imagem deles é um tremendo equívoco. Em tempos de retrocesso, crise e intolerância, é salutar valorizarmos tais pensadores que defendiam a autonomia e o pensamento crítico, mesmo que contrariando as normas vigentes.

Não intenciono defender a ausência de verdade ou uma pretensa superioridade dos sofistas sobre os filósofos, até porque não sou nietzschiano!

Mas como estou trabalhando introdução à Filosofia e ética, me sinto obrigado a pensar a sofistica segundo o seu devido valor.

Entre outros temas, gosto da história de Helena de Tróia, um caso interessantíssimo!
Desde os gregos antigos, sábios como Górgias, ironizam a moralidade e defendem a adúltera!

Segue abaixo, alguns tópicos que discutiremos em nossas aulas de introdução à Filosofia

Importância dos Sofistas:

*Mestres da sabedoria
*Colocaram o homem no centro da reflexão filosófica
*O pensamento e a argumentação, ambos, constituem um tema próprio de argumentação
* linguagem torna-se central
* Crítica aos valores tradicionais – através da valorização das opiniões em detrimento dos dogmas da cultura
* Os sofistas propunham ensinar a “arèté” (virtude), e cobravam por tais ensinamentos, o que siginificava, para eles, tornar os homens eficazes e habilidosos na arte de bem falar.

O relativismo dos sofistas é apresentado de um modo interessante em Górgias (485-380 ac)

Para ele “nada existe”; e mesmo se qualquer coisa existe, a gente não a pode conhecer; e mesmo que a possamos conhecer; não podemos exprimi-la!
Assim, com este esquema Gorgias acreditava acabar com a pretensão de conhecimentos objetivos, limitando tudo às opiniões

GÓRGIAS: ELOGIO DE HELENA - breves extratos/fins didáticos

(2) Cabe ao mesmo homem dizer corretamente o devido e refutar os que repreendem Helena, mulher acerca da qual veio a ser uníssono e  unânime tanto a crença dos que deram ouvidos aos poetas, quanto a fama do nome que, de desgraças, tornou-se memória.

(6) Pois, ou por determinação da Sorte e por deliberação dos deuses e por decreto da Necessidade fez o que fez, ou foi raptada à força, ou persuadida pelos discursos, ou surpreendida pelo amor.

(7) Se, porém, à força foi raptada e ilegalmente foi forçada e injustamente foi ultrajada, evidente que, por um lado, o que raptou, como ultrajou, cometeu injustiça; por outro lado, a que foi raptada, como foi ultrajada, foi desafortunada.

(14) [...] assim como alguns dos fármacos expulsam alguns humores do corpo e fazem cessar uns, a doença, outros, a vida, assim também dentre os discursos uns afligem, outros deleitam, outros atemorizam, outros conferem ousadia aos ouvintes, outros, por alguma má persuasão, drogam e enfeitiçam completamente a alma.

(19) Se, então, pelo corpo de Alexandre, o olho de Helena sentiu um ímpeto e transmitiu à alma o conflito do amor, que há nisso de espantoso?
(20) Como, então, considerar justa a reprimenda à Helena? Esta que, ou enamorada, ou persuadida pelo discurso, ou raptada à força, ou constrangida pela necessidade divina, fez o que fez? De todo modo escapa à acusação.
(21) Afastei com este discurso a infâmia de uma mulher, permaneci na regra que estabeleci no início do discurso; tentei dissipar a injustiça da reprimenda e a ignorância da opinião; quis escrever o discurso, por um lado, como um elogio de Helena, por outro lado, como um brinquedo.
Local de acesso: GÓRGIAS. Elogio de Helena. Tradução de Daniela Paulinelli. Belo Horizonte: Anágnosis, 2009. [Apresenta as traduções de textos gregos realizadas pelo grupo Anágnosis, da UFMG.] Disponível em: <http://anagnosisufmg.blogspot.com/2009/11/elogio-de-helena-gorgias.html>. Acesso em 06-04-2017

Observação: Aqui no blog não intencionamos apresentar textos densos e profundos, pois tentamos fazer isso em outros lugares. Por um lado, pecaremos por omissão e superficialidade, mas, por outro lado, deixamos  a normatização acadêmica para discutir de modo mais livre.

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