segunda-feira, 8 de maio de 2017

Como ser feliz na desgraça ou adversidade: O estoicismo e suas recomendações





Sêneca e o estoicismo


A filosofia estoica é inspiradora. Por outro lado, ser estoico é uma saga não aconselhável! Isto porque a ideia de superar as paixões, ou mesmo aniquilar nossos apetites, se mostra, na maioria das vezes, impossível.


O homem é um cidadão do mundo, nos ensinam os filósofos gregos helênicos!


Hoje, com tantos problemas em relação à imigração, a ideia de nacionalismo parece inevitável. Ilusão nossa! Desde os gregos, eles mesmos romperam com a ideia de uma cultura una, indissolúvel, fechada, e aceitaram a mistura com os orientais, macedônicos, persas, etc.


De fato, a imigração traz problemas, sobretudo quando ela é econômica ou/e política, como é o caso dos nossos colegas venezuelanos que estão se refugiando no Brasil.


Qual o caminho a seguir? Fechar os portões ao outro, ou abri-los, porém, deixando-os à sorte? 


E se não damos, sequer, conta de nossos problemas, de nossa própria miséria, como ajudar o outro a superar a sua?


Com as eleições na França e Alemanha, notamos o quanto este tema é atual e requer discussão séria e aprofundada.


Para os estoicos, o homem é um cidadão do mundo, capaz de viver tanto na glória de uma cidade, ou em sua decadência, ou mesmo, em um cidade que não seja sua, ou, se necessário, no isolamento completo.






Saber viver, pois, requer coragem de ultrapassar as relações de necessidade.


É preciso, pois, saber seguir o fluxo das coisas, e fugir, ou se isolar, caso a sorte nos leve a tal.


Para o homem consciente, a inquietação constante é fonte de dor. Por isso, a felicidade é possível, desde que evitemos a dor. Mas como evitá-la? Para os estoicos, o dever ético, bem como a vida serena, seriam remédios para as perturbações desnecessárias.


Informações breves e relevantes sobre conceitos estoicos:


O Estoicismo nasce com Zenão de Cítio (334-262 ac.). Ao que tudo indica, a divisão estoica da filosofia em lógica, ética e física foi fundada por ele. A escola fundada por Zenão ficava no local com o nome “pórtico pintado” (Stoa poikile), daí muito provavelmente provém o termo “estoicismo”. Um dos temas fundamentais do pensamento estoico é a racionalidade. Para eles existe uma ordem racional universal (logos).


Outros conceitos fundamentais:


ATARAXIA: imperturbabilidade – ausência de inquietação. É uma forma de resolver o problema da felicidade pela via negativa. A felicidade é possível desde que não vivamos o seu contrário: a dor. Para os epicuristas a felicidade está no prazer estável, enquanto que para os estoicos está na indiferença pelas paixões e pelo domínio das emoções (autarquia – a condição de autossuficiência do sábio). De outra parte, a felicidade, segundo os cínicos, se assenta na renúncia a qualquer tipo de necessidade, e para os céticos, na epoché (suspensão do juízo – pois nada é mais isto que aquilo – não havendo verdades absolutas).






DEVER: Fundamento da ética estoica, segundo a máxima “vive conforme a natureza”, à qual significa respeitar o “logos universal” (razão universal), a natureza humana e as ações aconselhadas pela razão.


Iniciação ao pensamento estoico, com base na filosofia de Sêneca.


SÊNECA (4 ac. – 65 dc.) nasceu em Córdoda (Espanha). Recebeu uma privilegiada educação, se lançou à carreira pública e foi preceptor e depois conselheiro de Nero. Acusado de traição pelo antigo discípulo, foi obrigado à um retiro forçado que durou anos, e, por fim, ao suicídio.






Sugestão de leitura para introduzir-se na obra de Sêneca: “Da Tranquilidade da alma” - Cap. IV: Doutrina pessoal de Sêneca; Cap. VIII: Maus efeitos da riqueza; Cap. X: Como se portar na infelicidade; Cap. XI: Superioridade e desprendimento do sábio.






Referências Bibliográficas:


SÊNECA, Lúcio Aneu. Da Tranqüilidade da alma; Medéia; Apocoloquintose do divino Cláudio. Tradução e notas de Agostinho da Silva [et al.] In: Epicuro/Lucrécio/Cícero/Sêneca/Marco Aurélio. 3ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1985. Coleção Os Pensadores.






Observação: Os textos abaixo são expostos com fins de estudos, sendo eles, como assinalados, parte da coleção Os Pensadores, devidamente citada. Não reproduzir este texto e estas citações.






Cap. IV: Doutrina pessoal de Sêneca


IV — 2. Aqui está, segundo minha opinião, o que deve fazer a virtude e aquele que deseja a virtude: se o destino triunfa e lhe tira os meios de agir, que ele não se apresse em virar as costas e fugir, largando suas armas e tratando de procurar um abrigo, como se existisse um lugar no mundo onde se pudesse escapar do destino: mas que ele imponha somente maior reserva à sua atividade e procure com perspicácia algum emprego que lhe permita tornar-se outra vez útil à cidade.


3. A carreira militar lhe é proibida? Que ele pretenda as magistraturas: está ele reduzido à vida particular? Que advogue. O silêncio lhe é imposto? Que ele dê a seus concidadãos o apoio mudo de sua presença. Mesmo o acesso ao fórum lhe é perigoso? Que nas residências particulares, nos espetáculos, à mesa, ele se mostre companheiro honesto, amigo fiel, conviva moderado. Ele não pode mais cumprir com seus deveres de cidadão? Restam-lhe os deveres de homem.


4. Daí o princípio do qual nós, estóicos, estamos orgulhosos: o de não nos encerrarmos nas muralhas de uma cidade só, mas de entrarmos em contato com o mundo inteiro e de professarmos que nossa pátria é o universo, a fim de oferecer à virtude o mais amplo campo de ação. Excluem-te do tribunal, expulsam-te da tribuna e dos comícios? Volta-te e olha: quantas extensões imensas, quantas nações se abrem para ti! Por mais vasta que seja a parte do mundo que te é vedada, aquela que te é permitida será sempre maior.


8. Assim, a melhor regra é combinar o repouso com a ação, todas as vezes que a atividade pura nos for perturbada por impedimentos acidentais ou por condições políticas: pois jamais todos os caminhos nos serão interditados, de modo que não nos reste nenhum meio de praticar uma ação virtuosa.


















Cap. VIII: Maus efeitos da riqueza


VIII — 1. Passemos ao domínio das riquezas, principal fonte das misérias dos homens: pois, comparando-se todos os nossos outros perigos, prazeres, doenças, temores, desgostos, sofrimentos e preocupações de toda espécie, com os males que nascem do dinheiro, será deste lado que muito claramente penderá a balança.


2. Figuremo-nos como se suporta mais facilmente não possuir do que perder; e perceberemos que a pobreza tem muito menos tormentos a temer e muito menos riscos a correr. Pois é um erro pensar que os ricos aceitam mais corajosamente suas penas: que o corpo seja grande ou pequeno, as feridas lhe são igualmente dolorosas.


3. Bíon disse com fineza: "Não é porque se tem mais cabelos sobre a cabeça que é menos desagradável sentir arrancá-los". Não é diferente no caso do pobre e do rico, e seu sofrimento é o mesmo: o dinheiro se apega tão intimamente à alma, que não se pode arrancá-lo sem dor. É, aliás, eu o repito, mais suportável e mais simples nada adquirir do que perder alguma coisa: daí vem que se vê um ar mais alegre nas pessoas que a fortuna jamais visitou do que naquelas que ela traiu.


4. É o que Diógenes compreendeu na sua sublime sabedoria; e dispôs-se de tal modo que nada lhe pudesse ser tirado. Chama isto pobreza, necessidade ou miséria; dá a esta confiança não importa que nome afrontoso: eu cessarei de julgar Diógenes feliz, quando tu me achares um outro homem que não tenha nada para perder. Ou eu me engano, ou é ser rei viver cercado de pessoas rapaces, de trapaceiros, de bandidos, de ladrões e ser o único no mundo que está ao abrigo de seus crimes.


5. Se se duvida da felicidade de Diógenes, que se duvide também da situação dos deuses imortais, e que se pergunte se eles não são infelizes por não possuírem nem propriedades, nem jardins, nem terras valorizadas pelos braços de mercenários, nem capitais colocados com grandes juros na praça do comércio. Não é uma vergonha estar fascinado pela riqueza? Vamos! Volta-te para o céu: aí verás deuses despojados, dando tudo ou nada conservando para si. E, pois, pobre, no teu parecer, ou semelhante aos deuses imortais o homem que se despoja de todos os bens que dependem da fortuna?






Cap. X: Como se portar na infelicidade






X — 1. Todavia, eis que tombaste em qualquer situação difícil, sem que hajas feito nada para isso: a adversidade pública ou particular passou-te um laço pelo pescoço, laço que não podes mais nem desapertar nem arrebentar. Lembra-te de que os desventurados que são peados começam por se revoltar contra os pesos e as cadeias de suas pernas; e que, desde que eles começam a se resignar, em lugar de se revoltar, a necessidade lhes ensina a suportar sua sorte com coragem e o hábito torna-a suportável. Encontrarás em qualquer situação divertimentos, descansos e prazeres, se te esforçares para julgar teus males leves, antes de considerá-los intoleráveis.


2. O melhor título da natureza ao nosso reconhecimento é que, conhecendo todos os sofrimentos para os quais estávamos destinados na vida, para abrandar nossos padecimentos ela criou o hábito que nos familiariza em pouco tempo com os mais rudes tormentos. Pessoa alguma resistiria, se, ao continuar, a adversidade conservasse a mesma violência que tem na primeira desgraça.














Cap. XI: Superioridade e desprendimento do sábio


4. Retornar para o lugar de onde se vem: que há de cruel nisto? Quem não


souber morrer bem terá vivido mal. É preciso, pois, começar por despojar a


existência de seu prestígio e por colocá-la entre as coisas sem valor. Somos hostis aos gladiadores, diz Cícero, quando eles querem, custe o que custar, bter a vida livre; nossa simpatia é granjeada quando se torne evidente que eles a desprezam. Nossa situação é a mesma, pois quantas vezes morremos, vítimas do nosso medo de morrer!


7. Eis a doença, a escravidão, minha casa que desmorona e se incendeia: nada de tudo isto é inesperado para mim. Eu sabia no meio de que caos a natureza me condenava a viver. Quantas vezes ouvi na minha vizinhança prorromper a voz das carpideiras; quantas vezes vi passarem diante da minha porta os archotes e as tochas que precedem os funerais prematuros! Freqüentemente ressoou ao meu lado o fragor de uma construção que desmoronava; muitas pessoas às quais o fórum, a cúria ou uma conversação acabavam de me reunir, foram arrebatadas durante a noite. De quantas mãos, fraternalmente unidas, a morte rompeu de repente o aperto! Por que me admirar, quando eu me vir, um belo dia, colhido pelos perigos que jamais cessaram de me rodear?


8. A grande maioria dos homens, ao começar a navegar, esquece-se da tempestade. Jamais eu me envergonharia de citar um mau autor, por uma boa intenção: Publílio Siro, poeta mais vigoroso do que os trágicos e os cômicos, quando renuncia aos gracejos vulgares do mimo e às palavras feitas para o público das galerias, no meio de tantos outros versos cujo tom se eleva não só acima do estilo trágico, mas também do cômico, escreveu: "Aquilo que pode ferir um pode ferir todos os outros". Se nos convencermos profundamente desta máxima e se, ao assistirmos às inúmeras desgraças que cada dia caem sobre nosso próximo, pensarmos que elas podiam muito facilmente cair sobre nós, seremos pessoas armadas muito tempo antes do ataque. Não há mais tempo para nos fortificarmos, quando o perigo já nos alcança.


9. "Eu não imaginava que isto me aconteceria!"


"Jamais se acreditara que isto seria possível!" E por que não? Onde está, pois, a



riqueza, que a miséria, a fome e a mendicidade não podem alcançar. Onde está a magistratura, cuja pretexta, o bastão augural e o calçado nobre não são acompanhados de acusações humilhantes, da crítica do censor, de mil infâmias e do supremo desprezo da multidão? Onde está a onipotência, que não é ameaçada pela destruição e pelo esmagamento das violências de um senhor ou de um carrasco? E um longo intervalo de modo algum é necessário: no espaço de uma hora passa-se do trono aos pés do vencedor.