Nada mais atual que pensarmos o presente, em vista do passado que nos constitui.
Voltemos, pois, a tratarmos da atitude filosófica, para então pensarmos a filosofia em nosso presente.
Geralmente se busca ensinar a atitude filosófica a partir do significado da palavra “filosofia”.
Segundo uma perspectiva tradicional, por volta do século VI ac., de maneira formidável, certos sábios e pensadores gregos ganham o status de “amigos do saber”.
As virtudes do filósofo, assim como a natureza do filosofar, ambas perpetuariam um projeto irrevogável imanente à racionalidade.
A racionalidade se distanciaria da sedução e persuasão próprias à arte de ensinar dos sofistas.
Os processos lógicos, a ligação com um pretenso saber que se perceberia como mais relevante que o mito e a religião, e outras conhecidas especulações, visam justificar a eminência do filosofar como produto de um milagre na história que explicita um universal desejo de verdade.
Aristóteles explicando o papel da “sophia” (sabedoria)
Pensemos, em primeiro lugar, que o sábio sabe tudo, na medida do possível, sem ter a ciência de cada coisa em particular. [...] Ademais, àquele que conhece com mais exatidão e é mais capaz de ensinar causas, consideramo-lo mais sábio em qualquer ciência. E, entre as ciências, pensamos que é mais sabedoria a que é desejável por si mesma e por amor ao saber, do que aquela que se procura por causa dos resultados, e que aquela destinada a mandar é mais sabedoria que a subordinada. Pois não deve o sábio receber ordens, porém dá-las, e não é ele que há de obedecer a outro, porém deve obedecer a ele o menos sábio. (ARISTÓTELES, Metafísica, A 982 a).
O filósofo não deveria filosofar sobre o sentir, pois os sentidos "são fáceis" e universais.
Esta tese não é inovadora, remontando às origens da filosofia, visto que Parmênides em seu poema "Da Natureza" já havia lançado uma guerra com vistas a desvincular a via da verdade, da lógica e do pensar, da via da opinião, dos sentidos, do erro e da ilusão.
Não que Aristóteles menospreze os sentidos, ao contrário, o estagirita era um empirista e realista. No entanto, ele considera que há uma Filosofia Primeira que supera a natureza do sentir, visto que se a todos é permitido o acesso à satisfação produzida pelas sensações, mas o sábio é o único que estuda a ciência das causas e princípios.
Dominando as causas e não amando a sabedoria por seus resultados, a sabedoria do sábio é o que lhe garante um posto privilegiado de ser aquele que dá ordens em vez de recebê-las.
Seguindo a análise da passagem acima da Metafísica de Aristóteles, o saber filosófico ser caracterizaria por:
1) remeter a totalidade e abarcar a universalidade;
2) ser um saber livre e desinteressado;
3) manifestamente procuraria dominar as causas, pois não se contentaria com aparências e contradições, mas envolveria uma atitude crítica.
Esta atitude crítica chamada de [thauma] “admiração”, “assombro” ou “espanto”, seria um puro e desinteressado desejo de saber. Vejamos outra passagem da Metafísica de Aristóteles que explicita o aspecto crítico do filosofar:
Com efeito, foi pela admiração [thauma] que os homens começaram a filosofar tanto no princípio como agora. [...] E o homem que é tomado de perplexidade e admiração julga-se ignorante (por isso o amigo dos mitos [filómito] é de certo modo filósofo, pois também o mito é tecido de maravilhas); portanto, como filosofavam para fugir à ignorância, é evidente que buscavam ciência a fim de saber, e não com uma finalidade utilitária. (ARISTÓTELES, Metafísica, A 982 b).
A Filosofia como tradutora de sentido e como campo de batalha
A Filosofia não está em todas as configurações históricas e seu modo de ser é a descontinuidade.
No entanto, há um sentido fundamental da Filosofia, hoje, que não está pautado em considerá-la tão somente como a “ciência do ser enquanto ser” ou como a mãe de todas as ciências.
Condições da Filosofia
Alain Badiou
● Os procedimentos genéricos, a partir dos quais é possível “acontecer” verdades, são:
● 1) Ciência (matemática);
● 2) Artístico (Poema);
● 3) Político;
● 4) O amor
Duas condições do Filosofar atual
A Filosofia manifesta um caráter de “traduzir” o acontecer de certos processos que já constituem em si mesmos pensamentos.
O caráter argumentativo e interpretativo do filosofar se liga a um outro não menos importante, o qual manifesta combates ideológicos nos acontecimentos históricos do devir humano.
Da necessidade para a possibilidade do filosofar
Estes acontecimentos podem ser ou manifestar procedimentos de verdade ou não, mas o pensar que os acompanha pode contribuir de forma iluminadora.
A Filosofia não pode ser obtusa ao ponto de negar contribuir, pensar e iluminar certas atrocidades históricas que acontecem no desvelar do fluir histórico-social.
Pensar junto com...o acontecer
Situação Filosófica
● “[...] impõe a existência de uma relação entre termos que, em geral, ou para o opinião estabelecida, não podem ter relação. Uma situação filosófica é um encontro. Um encontro entre dois termos essencialmente estranhos, um a respeito do outro”.
● (BADIOU, Circunstances 2 – Filosofia del presente, p. VII)
Encontro heterogêneo:
Oposição entre saber e Poder
● Caso Sócrates X Cálicles no diálogo Górgias de Platão
● (BADIOU, Circunstances 2 – Filosofia del presente, p. VII).
● Equipolência no campo argumentativo-interpretativo:
● entre justiça e injustiça há que haver uma medida comum que supere a incomensurabilidade entre dois âmbitos discursivos no embate ideológico?
A verdadeira vida está presente!
● Contra o pessimismo do “Pós Segunda Guerra Mundial”, Alain Badiou sugere algumas tarefas da Filosofia em relação as situações filosóficas:
● 1) Iluminar as eleições fundamentais do pensamento.
● 2) Iluminar a distância entre o pensamento e o poder, a distância entre o Estado e as Verdades.
● 3) Iluminar o valor da exceção, das rupturas que incidem sobre o conservadorismo social.
● Grandes tarefas da Filosofia: deve tratar da eleição, da distância e da exceção. Ao menos a partir do momento em que a Filosofia é algo que tem importância na vida, resultando ser mais que uma disciplina acadêmica.
(BADIOU, Circunstances 2 – Filosofia del presente, p. XI-XII)
Referências Bibliográficas:
● ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Tradução: Mário da Gama kury. Brasília: Ed Universidade de Brasília, 4* edição, 2001.
● ________________. Política. Tradução: Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2002.
● ________________. Metafísica, livros IV e VI. Tradução e notas: Lucas Angioni. Campinas: Unicamp, 2* edição, 2003.
● BADIOU, Alain. Filosofía del presente. Tradução: Alejandrina Falcón. Caracas, Venezuela: Monte Ávila Editores, 2009.
● ________________. L’Être et l’Événement. Paris: Seuil, 1988.
● ________________. Manifeste pour la Philosophie. Paris: Seuil, 1989.
● ________________. Éloge de l’Amour (Com Nicholas Truong). Paris: Flammarion, 2009.
● ________________. La Philosophie et L´Événement (com Fabien Tarby). Germina, Paris, 2010.