Thomas Hobbes (1588-1679) considerava que os homens são naturalmente egoístas.
Os seres humanos não são seres gregários por natureza, tal como concebia Aristóteles.
Ao contrário, em sua obra Leviatã (1651), diz Hobbes que sentimos extremo desprazer em estarmos em companhia uns dos outros e que, na verdade, preferiríamos viver isolados.
Nesta estranha relação de estarmos unidos em grupos, quando não queremos estar. Cada um fica esperando ser considerando digno de respeito e consideração, e permanece tão preso a esperar lisonjas e glórias que surge o perigo de que todos se destruam uns aos outros.
Dentro desta situação apresentada a discórdia humana emerge de três causas fundamentais:
1) a competição;
2) a desconfiança;
3) a glória.
Na primeira, um ataca o outro com vistas ao lucro. Na segunda, por querer ter segurança. Na terceira, por reputação.
É dentro deste horizonte de compreensão do humano, “ser egoísta” não se refere a um ato voluntário de irracionalidade ou maldade. Mas, ao contrário, o fato de “ser egoísta” caracteriza essa necessidade intrínseca de uma natureza que lutar incessantemente por adquirir tudo o que lhe apraz, sendo esta característica, em várias circunstâncias, uma qualidade de suma importância à manutenção da vida.
Cada homem sempre quer se expandir, adquirindo mais e mais força, mais poder. Disto resulta que no “estado de natureza” (EN), inicialmente, existe dois tipos fundamentais de homens:
1º Os que não se saciam em ter segurança. (Imoderados)
2º Os que se saciam mantendo-se sob reduzidos limites. (Moderados)
Hobbes faz um jogo conceitual interessante ligando estas duas concepções a uma questão comum, no caso, a necessidade dos homens em fazer tudo o possível para manterem suas vidas.
A conseqüência é que os dois tipos de homens no “Estado de Natureza” (EN) agem como imoderados, pois, tendo que antecipar os ataques uns dos outros para garantir suas vidas, todos são latentes inimigos em potencial.
Na concepção hobesiana de (EN) todos os interesses estão em contínuo choque. E, neste caos de vontades que lutam umas contra as outras para se firmar, não existem regras universais coativas, pois falta a todos um legislador comum.
Para se garantir existente cada homem deve, necessariamente, eliminar ou subjugar o outro. Isto porque não existia lei ou propriedade no (EN). De outra parte, há o constante temor da morte.
No interior deste contexto Hobbes pensava que havia uma certa igualdade entre os homens. Já que o mais fraco de corpo pode vencer o mais forte, ou por astúcia, ou mesmo se unindo a outros homens, ocultando essa biológica desigualdade que existe.
Ainda há outro fator que legitima essa concepção de que no (EN) os homens estão em igualdade. Diz Hobbes que se essa desigualdade fosse absoluta e impassível, o mais fraco, receando perder sua vida, reconheceria a superioridade do mais forte. Então, ele aceita submeter-se às determinações do último para ao menos continuar vivo. Nesta situação, nada pode acontecer senão duas coisas:
1ª Os homens continuam se digladiando continuamente, colocando tanto a espécie como também suas vidas individuais em risco;
2ª Os homens não permitem esse risco de auto supressão, fazendo com que esse egoísmo natural se torne um egoísmo disciplinado por um órgão exterior que obrigue a todos a cumprirem seus pactos.
Para Hobbes a saída do (EN) para a “sociedade civil” (SC) emerge da necessidade natural em manter-se vivo, evitando, assim, a morte violenta.
Esse cálculo racional é efeito da astúcia.
A prudência parece ser o resultado da astúcia. Quem não é astuto, não percebendo a contingência de ter o outro como inimigo no (EN) termina por ser uma preza fácil de ser usada e arrebatada.
“O homem é o lobo do homem”.
Mas cada lobo não pode ser o lobo de si mesmo. Isso contraria a busca pela vida!
Essa luta perpétua e universalmente espalhada, no (EN,) é, ao mesmo tempo, o máximo de liberdade e o máximo de ausência de liberdade.
Essa contradição ocorre pelo seguinte: Posso fazer tudo o que me agrada, mas o outro também. Cedo ou tarde, de um modo ou de outro, nossos interesses irão colidir, o que levará, necessariamente, à discórdia.
Essa liberdade absoluta deságua em uma constante e absoluta luta comum. O resultado de tal processo é que tanto o homem que quer ficar tranquilo, gozando de uma vida sossegada, quanto àquele que quer sangue, discórdia e lutas, todos eles são o inferno uns dos outros.
Nesta relação é muito difícil haver um entendimento mútuo entre todos quando não há um agente imparcial capaz de gerir as determinações estipuladas com vistas ao bem comum.
Para Hobbes todo pacto precisa de coação externa para ser validado. Sem a força ninguém se obrigaria a fazer aquilo que lhe é exteriormente imposto. Por isso que poder e sociedade nascem juntos.
Esse poder absoluto que é transferido ao governante tem de ser absoluto para tornar possível a superação da condição de guerra reinante no (EN). Isto porque não há alternativa alguma para assegurar ordem e segurança, havendo o constante e iminente perigo de morte violenta.
Hobbes desmonta a concepção tradicional de que os homens livres são bons e estão “por natureza” na comunidade para gozarem de sua condição privilegiada.
É interessante que na visão hobesiana do surgimento do estado é pela liberdade que o estado de discórdia se mantém. Pois, se os mais fracos tivessem plena consciência de sua inferioridade, da inconseqüência de lutarem, da impossibilidade de vencerem os mais fortes, eles imediatamente se submeteriam aos fortes salvaguardando suas vidas, ainda que vivessem até o fim de suas vidas como escravos.
Com o pacto feito e a (SC) constituída, a razão maior que leva um súdito a obedecer ao soberano é a de instaurar a paz impedindo a morte violenta de todos. Por outro lado, se o governante não for capaz de realizar sua contrapartida do pacto, não há motivo racional para qualquer homem que seja abdicar de seu direito de lutar por desfrutar de todas as coisas. Justamente por isso que ainda que o pacto transfira ao soberano poder ilimitado e o direito de subjugar a todos, isso não tira de cada um o direito de defender sua própria vida.
Se o soberano for mau administrador, sendo imprudente na condução do estado, incosenqüente nos impostos, aplicando castigos e usurpando os bens dos súditos, logo trará a discórdia no estado incitando a todos a se rebelarem em busca de justiça. Ademais, o soberano não pode exigir que um súdito se mate ou se fira, pois, ainda que no estado civil todos acordaram pelo pacto que devem aceitar as determinações do soberano, ainda assim, cada um permanece tendo que cuidar de si mesmo, não devendo não lutar para manter-se vivo.
Na visão de Hobbes o estado é uma criação dos homens que ganha vida e autonomia própria para aplicar poder coativo. O estado é absoluto e indivisível.
De certa forma, o estado não deixa de ser um ente metafísico, simbólico, pois todos temos que internalizar a coação exterior exercida pelo estado como necessária, mesmo que não haja realmente em todos os instantes um poder coativo real por perto.
Vemos que essa característica coativa do estado pensado por Hobbes já antecipa certas teses acerca da punição, às quais, mais tarde, Foucault apresentaria em “Vigiar e Punir”.
Para Hobbes a força, a ordem, a justiça, a reparação dos danos, a punição, são instrumentos utilizados pelo soberano para continuar firmando os cumprimentos dos pactos.
Na medida em que seguir a lei se dá quando cumprimos os pactos. Ainda que seja assim, de fato, se formos comparar as duas condições de existência pensadas por Hobbes, uma no (EN) e outra na (SC), vemos que a condição humana de absoluta liberdade é ainda mais miserável que sua atual condição de ter que prestar obediência a um soberano.
Quando o soberano impõe leis, todo homem com o mínimo de bom senso pode fazer o melhor possível para melhor viver em paz se adequando às determinações da lei, já que o soberano e as leis têm a obrigação de oferecer segurança a todos.
Por isso que, quando um homem não quer aceitar tais determinações e é justo que ele as aceite, ele nega tanto o pacto feito com o estado e a si mesmo.
BIBLIOGRAFIA
BÁSICA
HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução: João Monteiro e Beatriz Nizza da silva. São
Paulo: Abril Cultural. 1974. (Coleção Os pensadores)
Autor: Edgard V. C. Zanette - Utilização exclusiva para leitura e estudos, sendo proibida a utilização e divulgação.
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