segunda-feira, 13 de junho de 2016

Uma Filosofia para a vida - Uma breve introdução ao pensamento de Michel de Montaigne


MICHEL DE MONTAIGNE

 

Contra a falta de sentido e o erro da razão, a verdadeira Filosofia do "eu" se faz pela fé

 Entre o sim e o não, para Montaigne temos a vida!

 


 
Montaigne é um filósofo renascentista. Sua filosofia se confunde com uma vida agitada e cheia de desafios. O filósofo, antes de tudo, procurou escrever para si mesmo.

 Sua obra prima, os "Ensaios", são na verdade um diário em que ele anotava tudo o que lhe agradava. A partir das citações e comentários sobre outros filósofos, Montaigne foi pouco a pouco lapidando suas próprias reflexões e dando corpo a isto que chamamos de pensamento montaigniano.

 Costuma-se dizer em Filosofia que nós não pedimos para nascer, mas somos postos no mundo.

 E a vida humana acontece e estamos aqui. Temos nome, a maioria de nós tem família. Assim, somos pessoas, temos nomes e por estes nomes tratamos outros como pessoas, assim como nomeamos animais e coisas diversas, de forma a vivermos nos relacionando com tudo isso o que habita o nosso mundo circundante.

 

Eis o que bem explica o autor no prefácio dos Ensaios:

Eis aqui, leitor, um livro de boa-fé. Adverte-o ele de início que só o escrevi para mim mesmo, e alguns íntimos, sem me preocupar com o interesse que poderia ter para ti, nem pensar na posteridade. […] Se houvesse almejado os favores do mundo, ter-me-ia enfeitado e me apresentaria sob uma forma mais cuidada, de modo a produzir melhor efeito. Prefiro, porém, que me vejam na minha simplicidade natural, sem artifício de nenhuma espécie, porquanto é a mim mesmo que pinto. (MONTAIGNE, 1972, p. 12 – Prefácio)

 

            Montaigne representa na Filosofia o convite ao filosofar. Perguntar, questionar, provocar, ironizar, desdizer, refazer, contradizer, etc., são modos do filosofar, e fazer filosofia supõe essa abertura para pensar temas e questões de uma forma diferenciada. Isto porquê o filósofo francês questiona temas fundamentais da existência humana. Assim, é comum perguntarmos: Qual o sentido da vida? Por que precisamos seguir as convenções e normas sociais? etc.

             

            Para o filósofo devemos: não inventar um homem ideal, mas descrever o homem real, com seus vícios e virtudes. O problema é justamente saber como realizar essa descrição, pois, se tudo é movimento, abarcar o ser humano nesta situação de passagem é difícil, na medida em que a cada momento vivido permite o emergir de uma nova imagem. Notemos que o legado heraclitiano do devir como fundamento é seguido nesta abordagem do humano. Eis o que afirma o filósofo em relação ao tema:

[…] Não posso fixar o objeto que quero representar: move-se e tutubeia como sob efeito de uma embriaguez natural. Pinto-o como aparece em um dado instante, apreendo-o em suas transformações sucessivas, não de sete em sete anos, como diz o povo que mudam as coisas, mas dia por dia, minuto por minuto. (MONTAIGNE, 1972, p. 371 – Livro III, Capítulo II)

 

           Neste contexto, entre tantos temas abordados pelo filósofo, em sua interessante obra Ensaios, nela notamos um tema-chave que cerceia por todas essas indagações. Essa chave interpretativa é a busca incessante por decifrar uma questão já abordada filosoficamente por Sócrates:

Que sei eu?

            Quando o filósofo grego dizia ironicamente que “só sabia que nada sabia!”, esta forma de abordar o saber levava necessariamente a perguntar sobre o que nós seres humanos sabemos, se é que sabemos alguma coisa. A filosofia de Montaigne segue as pegadas dessa forma dialógica de discussão, de abertura ao questionamento de nossas pretensas verdades. O que sabemos? Como podemos ter certeza sobre algo? Que é essa coisa que nós mesmos somos? Como podemos ter uma identidade e ao mesmo tempo estarmos mudando continuamente o que somos?

            A consciência de nossa própria identidade é um tema fundamental para a filosofia moderna, e quando falamos sobre um “eu” (ego), estamos nos remetendo a esta história da noção de subjetividade que está presente em Montaigne e em Descartes. Diante de uma forma ensaística de escrita em primeira pessoal, tal qual algo que propõe um experimento de si mesmo, para Montaigne sempre precisamos reordenar e reinterpretar o quebra-cabeças de nossa própria identidade. Mas este quebra-cabeças não é linear, pois não há objeto fixo para representar, de forma que cada peça tem sua própria forma e muitas vezes não se encaixa bem nas outras. Podemos dizer, neste sentido, que a história humana é difusa, e neste titubeio o ser humano é complexo e controverso. Podemos notar facilmente que ora queremos uma coisa e logo em seguida queremos o contrário! Não é sem razão que Raul Seixas em sua Música “Metamorfose Ambulante” enfatiza esse caráter difuso, complexo e contraditório da identidade humana.

           
           Na filosofia montaigniana o combate ao dogmatismo se desdobra tal qual esse enfrentamento político e cultural. Contra o dogmatismo Montaigne se lança a conhecer e discutir profundamente as escolas e temas filosóficos que mais se destacavam. Entre outros, ateísmo, agnosticismo, ceticismo, epicurismo, estoicismo e cinismo são confrontados, relacionados, criticados e problematizados. Notemos, pois, que a questão da unidade do pensamento de Montaigne é um tema controverso. Ao que tudo indica, dificilmente poderíamos interpretar o filósofo de forma sistêmica tal qual fazemos com Descartes e Hegel, por exemplo.

            Esculpir a si mesmo e pensar por si mesmo são temas clássicos, e embora eles tivessem sido muito bem examinados por Nietzsche, é evidente que já eram defendidos no renascimento por Montaigne. A tolerância aparece, pois, para Montaigne, como proposta de suportar a laicização. Assim, devo aceitar a escolha do dogma moral e religioso de outrem que não é o mesmo que o meu, e preciso me manter tolerante e paciente diante daquilo que me é estranho. Suportar o outro é uma das importantes lições de Montaigne, inclusive em relação à heresia, pois, embora o fideísmo de Montaigne combatesse filosoficamente o ateu, seu pensamento se posta mais para o lado da laicidade que para extremismos religiosos.

            Esta arte de conhecer a si mesmo, este exercício de julgamento da experiência pessoal, ela é uma defesa do singular, e por esta a crítica irônica às convenções sociais, nas figuras das máscaras, essa posição justifica a tradição de intitular Montaigne como o “Sócrates Francês”. A postura do filósofo expressa um ideal de sinceridade, e esse exame de si mesmo exige que aceitemos e descrevamos nossos vícios e perversões. Se o exterior nem sempre é adequado, a crítica ao exterior é uma importante forma de preservar uma singularidade que não deve nos escapar, que é nossa.

Autor: Edgard Vinícius Cacho Zanette

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Autor: Edgard Vinícius Cacho Zanette