MICHEL DE MONTAIGNE
Contra a falta de sentido e o erro da
razão, a verdadeira Filosofia do "eu" se faz pela fé
Entre o sim e o não, para
Montaigne temos a vida!
Sua obra prima, os
"Ensaios", são na verdade um diário em que ele anotava tudo o que lhe
agradava. A partir das citações e comentários sobre outros filósofos, Montaigne
foi pouco a pouco lapidando suas próprias reflexões e dando corpo a isto que
chamamos de pensamento montaigniano.
Costuma-se dizer em Filosofia que nós
não pedimos para nascer, mas somos postos no mundo.
E a vida humana acontece e estamos aqui.
Temos nome, a maioria de nós tem família. Assim, somos pessoas, temos nomes e
por estes nomes tratamos outros como pessoas, assim como nomeamos animais e
coisas diversas, de forma a vivermos nos relacionando com tudo isso o que
habita o nosso mundo circundante.
Eis o que bem explica o autor no
prefácio dos Ensaios:
Eis aqui, leitor, um livro de boa-fé. Adverte-o ele
de início que só o escrevi para mim mesmo, e alguns íntimos, sem me preocupar
com o interesse que poderia ter para ti, nem pensar na posteridade. […] Se
houvesse almejado os favores do mundo, ter-me-ia enfeitado e me apresentaria
sob uma forma mais cuidada, de modo a produzir melhor efeito. Prefiro, porém,
que me vejam na minha simplicidade natural, sem artifício de nenhuma espécie,
porquanto é a mim mesmo que pinto. (MONTAIGNE, 1972, p. 12 – Prefácio)
Montaigne representa na Filosofia o convite ao filosofar. Perguntar,
questionar, provocar, ironizar, desdizer, refazer, contradizer, etc., são modos
do filosofar, e fazer filosofia supõe essa abertura para pensar temas e
questões de uma forma diferenciada. Isto porquê o filósofo francês questiona
temas fundamentais da existência humana. Assim, é comum perguntarmos: Qual o
sentido da vida? Por que precisamos seguir as convenções e normas sociais? etc.
Para o filósofo devemos: não inventar um homem
ideal, mas descrever o homem real, com seus vícios e virtudes. O problema é
justamente saber como realizar essa descrição, pois, se tudo é movimento,
abarcar o ser humano nesta situação de passagem é difícil, na medida em que a
cada momento vivido permite o emergir de uma nova imagem. Notemos que o legado
heraclitiano do devir como fundamento é seguido nesta abordagem do humano. Eis
o que afirma o filósofo em relação ao tema:
[…] Não posso fixar o objeto que quero representar:
move-se e tutubeia como sob efeito de uma embriaguez natural. Pinto-o como
aparece em um dado instante, apreendo-o em suas transformações sucessivas, não
de sete em sete anos, como diz o povo que mudam as coisas, mas dia por dia,
minuto por minuto. (MONTAIGNE, 1972, p. 371 – Livro III, Capítulo II)
Neste contexto, entre tantos temas abordados pelo filósofo, em sua interessante
obra Ensaios, nela notamos um tema-chave que cerceia por todas essas
indagações. Essa chave interpretativa é a busca incessante por decifrar uma
questão já abordada filosoficamente por Sócrates:
Que sei eu?
Quando
o filósofo grego dizia ironicamente que “só sabia que nada sabia!”, esta forma
de abordar o saber levava necessariamente a perguntar sobre o que nós seres
humanos sabemos, se é que sabemos alguma coisa. A filosofia de Montaigne segue
as pegadas dessa forma dialógica de discussão, de abertura ao questionamento de
nossas pretensas verdades. O que sabemos? Como podemos ter certeza sobre algo?
Que é essa coisa que nós mesmos somos? Como podemos ter uma identidade e ao
mesmo tempo estarmos mudando continuamente o que somos?
A consciência de nossa própria identidade é um tema fundamental para a filosofia
moderna, e quando falamos sobre um “eu” (ego), estamos nos remetendo a esta
história da noção de subjetividade que está presente em Montaigne e em
Descartes. Diante de uma forma ensaística de escrita em primeira pessoal, tal
qual algo que propõe um experimento de si mesmo, para Montaigne sempre
precisamos reordenar e reinterpretar o quebra-cabeças de nossa própria
identidade. Mas este quebra-cabeças não é linear, pois não há objeto fixo para
representar, de forma que cada peça tem sua própria forma e muitas vezes não se
encaixa bem nas outras. Podemos dizer, neste sentido, que a história humana é
difusa, e neste titubeio o ser humano é complexo e controverso. Podemos notar
facilmente que ora queremos uma coisa e logo em seguida queremos o contrário!
Não é sem razão que Raul Seixas em sua Música “Metamorfose Ambulante” enfatiza
esse caráter difuso, complexo e contraditório da identidade humana.
Esculpir a si mesmo e pensar por si mesmo são temas clássicos, e embora eles
tivessem sido muito bem examinados por Nietzsche, é evidente que já eram
defendidos no renascimento por Montaigne. A tolerância aparece, pois, para
Montaigne, como proposta de suportar a laicização. Assim, devo aceitar a
escolha do dogma moral e religioso de outrem que não é o mesmo que o meu, e
preciso me manter tolerante e paciente diante daquilo que me é estranho.
Suportar o outro é uma das importantes lições de Montaigne, inclusive em
relação à heresia, pois, embora o fideísmo de Montaigne combatesse
filosoficamente o ateu, seu pensamento se posta mais para o lado da laicidade
que para extremismos religiosos.
Esta arte de conhecer a si mesmo, este exercício de julgamento da experiência
pessoal, ela é uma defesa do singular, e por esta a crítica irônica às
convenções sociais, nas figuras das máscaras, essa posição justifica a tradição
de intitular Montaigne como o “Sócrates Francês”. A postura do filósofo
expressa um ideal de sinceridade, e esse exame de si mesmo exige que aceitemos
e descrevamos nossos vícios e perversões. Se o exterior nem sempre é adequado,
a crítica ao exterior é uma importante forma de preservar uma singularidade que
não deve nos escapar, que é nossa.
Autor: Edgard Vinícius Cacho Zanette
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Autor: Edgard Vinícius Cacho Zanette
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