sábado, 30 de julho de 2016

Introdução à Filosofia: A teoria das paixões na filosofia de René Descartes - Parte I


Qual a diferença entre ver um animal e sentir pavor dele?

Entender o mecanismo passional é fundamental para explicarmos porque sentimos certas coisas e não outras, no contato com determinados objetos.

René Descartes (1596-1650) desenvolveu uma teoria das paixões rompendo com a tradição aristotélica.

No Renascimento, as paixões são examinadas como "um outro que a razão", causando estranheza.

Esta inimizade entre a razão e as paixões decorre da constatação que a razão não tem império absoluto sobre nossos sentimentos e representações.

Entre outros escritos, nas Correspondências e na obra Paixões da Alma (1650), Descartes mostra que a alma/mente humana, sendo o território da razão por excelência, ainda assim, esta mesma razão, muitas vezes, está completamente subordinada às paixões!

O filósofo observa que, estranhamente, a razão é o local das paixões!

Ao fazer ciência das paixões, partindo da relação da união profunda e indissolúvel entre alma/corpo, Descartes antecipa o que a neurobiologia moderna propõe, e diz pesquisá-las como "physicien" (como "físico").


Neste sentido, observando os movimentos que acontecem no corpo e são sentidos na alma/mente,propôs algo inovador para a época, pois as paixões, para Descartes, concernem tanto à mente quanto ao corpo, embora a mente as sinta como suas!

Em (C. a Elisabeth , 01-1646 - AT IV, p. 355), o filósofo mostra que muitas vezes a razão não consegue controlar a rebelião das paixões. Dessa forma, não basta simplesmente querer excluir uma paixão, pois estas são caras e amamos estar emocionados, ainda que a contragosto.

Sob este aspecto, o filósofo, já no século XVII, mostrava a dificuldade em o sujeito vencer uma paixão, pois é preciso compreender a parte somática do mecanismo passional em sua relação com a parte representativa, para a alma, desta emoção.

Qual a diferença entre ver um animal e se assustar com ele?

Descartes mostra no Art. 35 da obra Paixões da Alma que o objeto visto ocasiona no olho uma certa imagem. Por sua vez esta particular disposição ocasiona em nosso corpo e em nosso cérebro uma representação psíquica.

Por fim, este objeto é logo considerado a partir de uma avaliação, isto é,  no sentido de nos precavermos se ele nos é conveniente ou prejudicial.

Percebemos, pois, que ao dizermos que tal animal é ameaçador, e termos assim a paixão do medo, dizemos muito mais do que vemos!

É nossa avaliação das coisas, quase que automática, é ela que nos dita o que sentimos e pensamos.

É por isso que pessoas têm doenças e fobias a partir do simples ato de ver ou pensar em determinados objetos e animais!

Para o filósofo, não temos apenas a paixão no amor, como se divulga atualmente, mas temos outras paixões.

Em sua concepção teríamos as seguintes paixões primitivas:

1) admiração
2) Amor
3) Raiva
4) Desejo
5) Alegria
6) Tristeza

As paixões nos dispõe, nos incita, a querermos certas coisas.

Talvez, viveríamos como zumbis ou em total apatia, sem a existência das paixões.

Porém, nossa alma/mente é responsável pelo uso que fazemos das paixões, mas sentir tal ou tal paixão, no contato primeiro com o objeto, é algo que não podemos controlar.

Em C. a Silhon - 03 ou 04 de 1648 - Diz o filósofo que:

"A Filosofia que cultivo não é tão bárbara e nem tão selvagem que rejeite o uso das paixões, ao contrário, é nela unicamente que eu coloco toda a doçura e a felicidade desta vida"

terça-feira, 26 de julho de 2016

Mosaico



Acordou confuso, misturando tudo

preocupado, sua cabeça não separava nada

Tudo parecia um só, e uma mesma coisa era tudo

Aturdido neste mosaico de blocos de imagens confusas e distorcidas

saltou da cama e ainda não sabia de nada

Pouco depois, ao se levantar, tomou um copo de água e recordou o sonho passado

Lembrava confusamente dos dias em que estava cercado de amigos, que bebiam e davam risadas

Não pensavam como hoje, simplesmente, pensavam....

Estes amigos, que não eram verdadeiros amigos, sempre estavam à disposição para fazer algo que não importava

Viviam como aposentados mas eram jovens, sabiam viver

Se importar, se preocupar, essa é a vida que transgride o razoável

A filosofia do não fazer, essa era a vida daqueles que pensavam em como não fazer, como não ganhar, como não ter sucesso

A felicidade pelo não ter

O prazer em não dever, em não ter que ter

Não tanto quanto cínicos, muito menos que estóicos, mas não viviam o prazer como epicuristas

Eram, simplesmente, despreocupados...

Pensar coisas tão longínquas, mas como lhe seduziu receber esses pensamentos...

Depois, ainda, sentado na cama, passou alguns minutos, ou horas

Essas recordações lhe impediram de retomar o fio da meada de sua vida tão normal

Preferiu ficar um pouco mais, ali...

Não sabia bem o que fazia, mas não importava

Pensando nesta mistura entre passado e presente, sua angústia com as banalidades do agora sumira completamente

Lhe assustou perceber que suas ideias, daqueles tempos de não fazer nada, antes embaralhadas, eram suaves, pois não havia pressa

Simplesmente ele e seus falsos amigos estavam ali, conversavam, bebiam, pensavam pouco, mas era tão bom...

Mas fantasiar o passado parece tão despropositado quanto fingir que o futuro será melhor

Com a cabeça confusa, ainda tentando se levantar, percebeu um mosaico de imagens distorcidas

Percebeu que tudo isso poderia nada mais ser que a construção imaginária de um outro

Nós, poderosos! porém, marionetes!

O mundo, um vídeo-game, em que alguém brinca de nos jogar

Lembrou de Descartes...

Mas cansou de lembrar 

Preferiu organizar essa mistura tão bizarra que aparece como a junção de ilusão com esperança

Simplesmente queria a paz de uma explicação das coisas que não fosse confusa, queria a esperança da lucidez

Mas a esperança, ela ilude...

O ceticismo, assombra, 

então, o que sobra?

O mosaico...


segunda-feira, 25 de julho de 2016

Introdução à Filosofia: Filosofar é perigoso! Mas por quê?




Dizia Demócrito que "os homens, ao fugir da morte, perseguem-na". 
(Aforismo 203 - Pré-Socráticos, 2000, p. 292, Coleção Os pensadores).

Assim como fugimos da morte e a perseguimos, parece que o filósofo é aquele que busca a verdade, mas parece não aceitá-la jamais!

Doido, maconheiro, preguiçoso, vive com a cabeça na lua!....

O filósofo é aquele que desde antigamente, e mesmo nos dias atuais, parece chocar a sociedade....

A imagem negativa do filósofo é historicamente maculada por preconceitos que precisam ser interrogados.

Muitos associam a filosofia com a ausência de seriedade no discurso, como se ao dizermos qualquer coisa, estaríamos a filosofar.


Já outros, radicais por outra via, dizem que só os grandes filósofos filosofaram, e todo estudante e professor de filosofia se reduziria a mero "reprodutor".

Embora a "filosofia de bar" tenha seu papel, filosofia possui rigor, mas um rigor que, embora profundo, permite que todos possam "provar" da filosofia e utilizá-la em sua vida comum.


Voltemos, então, a entender e discutir um pouco sobre o que levou e nos incita a questionar filosoficamente as coisas.

O que teria levado os seres humanos, 
em um determinado momento da história, 
a começar a fazer ciência teórica e a filosofar?

O desenvolvimento da espiritualidade humana não aconteceu de uma única vez, 
com os gregos. Mas é verdade que foram eles que colocaram de forma 
original certas perguntas sobre as coisas. 

Estas perguntas se caracterizam, pois, por aquilo que chamamos de racional.

O pensamento é racional quando organizamos argumentos e os justificamos através de provas e processos lógicos.

Embora se paute em provas e em lógica, os gregos do século VII ac. 
inovaram ao tratar o conhecimento como expectativa, 
como um desejo racional que se volta rigorosamente a perguntar sobre as coisas.

De forma peculiar, a filosofia se preocupa pela origem do mundo 
e pergunta sobre um princípio unificador 
(arché) de todas as coisas.

A cultura ocidental, desde sempre tão arraigada às tradições, ela se viu marcada por algo que atravessa sua história.

A filosofia parece "rasgar" a cultura, pois todo o saber
 cultural construído e acumulado, dado nas condições histórico-sociais
 concretas, ele é questionado pela filosofia.

O filósofo é provocador porque ele busca as causas e os porquês!

Filosofar é perigoso!

A cultura, em toda sua dinamicidade e riqueza, ela se vê atravessada, pois,
 por este discurso racional que retira "verdades", 
apresenta dúvidas, e, por fim, exige provas.

Embora a Filosofia também se caracterize, geralmente, pela busca da verdade, não sejamos inocentes.

 Tal pesquisa é tão rigorosa e exigente que parece inclinar mais para o ceticismo que para o dogmatismo de aceitar verdades dadas.

A humanização das explicações sobre as coisas, mostrando facetas diferenciadas do que era dado no pensamento mítico, como, por exemplo, o de Hesíodo, ela mostra que somos testemunhas, mas também acusadores e construtores de nossa própria história.

A interrogação filosófica sobre o "o quê?" e o "por que?", ela foi e será sempre fundamental. 

Nossa cultura, nossa humanização, desde que queiramos viver em um mundo melhor, ela precisa ser atravessada pela filosofia.

Mas se filosofar é perigoso, e, assim, fugimos da morte para encontrá-la, talvez fujamos da filosofia, filosofando...




domingo, 24 de julho de 2016

O direito ao contraditório


Não suportar o outro e suas ideias...

Eis uma situação que vai se firmando no mundo atual como um processo global de totalitarismo do pensamento.

Projetos que inibem o posicionamento pessoal levam as pessoas a defenderem posições extremas, as quais, geralmente, trazem problemas quanto ao direito à livre manifestação de pensamento.

A Filosofia nasce ligada ao logos, e, como tal, ela remete a uma certa capacidade de dar sentido, pelo pensamento e pela linguagem, ao que entendemos das coisas e do mundo.

Todo pensamento deveria, de um modo ou de outro, ser uma abertura: o pensamento que não muda, que não se contradiz, que não se abre ao outro, não parece cumprir sua missão enquanto "logos".

Se temos uma opinião irredutível eque jamais permite um diálogo com outras posições, tal opinião dificilmente se encaixa bem no discurso filosófico.

O mundo da vida, a nossa vida social, ela precisa do logos. Os jogos de pensamentos e seus elementos discursivos nos elevam a aprimorar nossa capacidade de sermos significativos.

Sem a significação, sem a possibilidade da manifestação de ideias, não há dialética, bem como não existe espaço para a contraposição enriquecedora de ideias...

Como querer que a Escola não discuta política? Se o mundo da vida de alunos e professores é tecido a partir dos elementos políticos que organizam nossas sociedade?

Projetos como "escola sem partido", na verdade, parece algo tão insano quanto defender o controle da liberdade, a partir da defesa de regimes totalitários.

Argumentos como: Antigamente a bandidagem não se criava! Hoje está uma bagunça! É preciso colocar as coisas em ordem!

Na verdade, observem bem quais são os atores sociais que defendem esses posicionamentos!

Os regimes extremamente conservadores não querem a mudança de paradigmas sociais...

A liberdade de pensamento, a liberdade sexual, a liberdade social, todas estas são bandeiras que não podem deixar de estar presentes e serem discutidas em sala de aula!

Que a escola seja um terreno de dialética, de logos, de discussão e ampliação de ideias! 

Se a defesa de uma "escola sem partido" seria válida, o que dizer do estado laico de direito, pois em nossas escolas cada vez mais observamos a intromissão, as vezes não sadia, de religiões que determinam inclusive o que deve ser estudo e o que é o certo e o errado!

No Brasil, por vezes temos a impressão que vivemos em um estado "teocrático", e digo isto lembrando que tenho minha religião e acredito nela!

Mas o estado é laico, e nele, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa!

O direito ao contraditório no terreno escolar é tão importante quanto o direito a ir e vir.

Assusta o caminho que o Brasil tomou nos últimos tempos...


quinta-feira, 21 de julho de 2016

O que foi feito não pode não ter sido feito


No prazer de um momento, procuramos paralisar o tempo, e fazer de sua dinâmica algo estático.

Mas o tempo é como um moinho, que seguindo lançando coisas para trás, sempre segue adiante.

Eis a dificuldade de entender o tempo, pois, como diz Agostinho, como explicar o que não é?

O instante emerge nessa situação tragicômica de ter que estar lançado no tempo.

O implacável do tempo é que ele sempre está aí, em um não ser que se manifesta sendo, enquanto pura fluidez, puro devir.

Embora os filósofos desde os Pré-Socráticos já tratassem do tempo, acredito que filosoficamente esse é um tema que merece ser bem mais considerado.

O tragicômico do instante é que ele pode ser a fixidez da glória, ou o terror do que não foi feito.

Para um "momento vencedor", ele fica em nossa mente e marca nossa vida.

Mas o contrário, esse é avassalador...

Vejamos nos esportes, agora que estamos próximos das Olimpíadas.

Um instante tudo decide...

Somos reféns da prodigalidade do tempo e da crueldade do instante.

A vontade de não ter errado, de saber que poderia ser diferente, mas não foi....

O que foi feito não pode não ter sido feito!

 Eis um princípio metafísico que assola nossa existência.


terça-feira, 19 de julho de 2016

Joãozinho e o tabuleiro de xadrez


Certa manhã joãozinho seguia para a escola e passou por um parque. Nele dois velhos jogavam xadrez. O menino ficou atônito, e não conseguiu fazer outra coisa que observar aqueles senhores jogarem xadrez.

No começo, tudo era inexplicável.

Simplesmente achava o máximo as peças pulando de uma casa para outra. Logo, ficou mais emocionante: entendeu sozinho que a morte do rei era a vitória de um e a derrota do outro. 

Mas tem muito mais!

Ele ficou assombrado quando viu que os peões, embora só andassem para frente e pareciam fracos, na verdade, chegando à última fileira do lado adversário, eles se transformavam em uma peça extremamente poderosa: a rainha!

Além disso, ele percebeu que havia uma peça diferenciada: o cavalo!

Ele saltava, e fazia movimentos em L tão sensacionais que era uma arma extremamente perigosa...

Notou armadilhas.

Percebeu que o relógio de xadrez pode ser um inimigo.

Viu que o rei precisa ser protegido, e que o ataque é a melhor defesa!

Após estas horas de observação, os velhos pararam de jogar e convidaram joãozinho para que ele jogasse com eles.

A tarde acabou, e após tantas horas jogando xadrez, embora joão não tivesse conseguido vencer uma única partida daqueles adversários tão experientes, ele percebeu o quanto aprendeu com aqueles senhores e um mero tabuleiro de xadrez!

E o tempo parou!

Como assim?

Simplesmente ele esqueceu do mundo, da escola, de casa, e o tabuleiro lhe dominou por completo...

Tentou entender como ficara tantas horas assim, jogando xadrez, mas nada tirava de sua cabeça a sensacional adrenalina de pensar naquelas jogadas tão incríveis...

Ele, que vive batendo e apanhando na escola, e até já foi expulso uma vez, conseguir se concentrar, que loucura!

Mas lembrou do pior: tinha que voltar para casa. E foi...

Ao chegar, sua mãe lhe esperava com uma vara, aquela velha e ardida vara que ele tão bem conhecia!

Ela sabia que ele não tinha ido para a aula...Pois irmãos, estes sempre cagoetam!

Logo que se aproximou,

tentou explicar, não deu...

Apanhou.

Não bastasse apanhar, sua mãe finalizou dizendo:

Quem não trabalha não come

Quem não estuda, é idiota

Quem joga xadrez ou é rico ou deve ser um gênio

Tu que é burro, vai tomar seu banho joãozinho!



Fundamentos do Xadrez: Abertura Rui Lopez - Gambito Schliemann - Parte III



Abertura Rui Lopez - Gambito Schliemann - Parte III

Abaixo temos o vídeo de nossa autoria - Expondo de forma sucinta a Variante com 
4. CC3 - A partir de uma partida modelo de Zvjaginsev,Vadim


Link do Vídeo no nosso canal no Youtube: https://youtu.be/H2FAkyYyQ1A

C63 
Ovetchkin,Roman - 2557 

Zvjaginsev,Vadim - 2658 

RUS-ch Higher League 60th (3)05.09.2007

1.e4 e5 2.Nf3 Nc6 3.Bb5 f5 4.Nc3 fxe4 5.Nxe4 Nf6 6.Qe2 d5 7.Nxf6+ gxf6 8.d4 Bg7 9.dxe5 0-0 10.e6 Ne5 11.Bf4 Qd6 12.0-0 Qxe6 13.Rfe1 c6 14.Bd3 Nxd3 15.Qxd3 Qg4 16.Qd2 Bd7 17.Re7 Rf7 18.Rae1 Bf8 19.Rxf7 Kxf7 20.c4 dxc4 21.Bd6 Bxd6 22.Qxd6 Re8 23.Rxe8 Bxe8 24.h3 Qe4 25.Qc7+ Qe7 26.Qf4 b5 27.g4 Kg8 28.h4 Bf7 29.g5 fxg5 30.hxg5 b4 31.Ne5 Bd5 32.Ng4 Kg7 33.Ne3 Qe4 34.Qf6+ Kg8 35.Kh2 Qh4+ 0-1

domingo, 17 de julho de 2016

O velho, o xadrez e o mar



"Você quer minha morte, peixe.
 É teu direito. 
Camarada, nunca vi nada maior,
 nem mais nobre, nem mais calmo, 
nem mais belo que você.
Siga, me mate.

Não importa qual de nós dois mate o outro!"

(Ernest Hemingway - O velho e o mar)

A morte, 
paradoxo da vida, 
é imponente no xadrez.

O respeito pelo outro é o respeito pela morte, pela possibilidade da minha morte como processo de deixar o jogo acontecer.

Sem morte, não há xeque-mate!

O xeque-mate faz a vitória acontecer.
Os empates, esses sim entendiam!

Quando trata da relação sinuosa entre passado-presente, em sua obra "O velho e o mar", Hemingway problematiza a beleza da morte como processo de devir.

Aceitar a morte, a beleza das coisas pela necessidade da derrota da vida pela necessidade da morte!

...eis a nobreza do velho pescador, que há a mais de 80 dias não pescava um peixe sequer.

O jovem promissor, o "menino", 
teve que deixar de aprender a pescar com o velho, 
pois fracassados, para o mundo, não são bons mestres!

Entender o xadrez é fundamental, mas o que importa é a vitória?

Jogar e entender o xadrez são duas coisas fundamentais.

Em nossa sociedade, os mestres professores do xadrez são preteridos, ignorados, ridicularizados. 

Apenas os "GM vencedores" parecem receber algum respeito. 

Tremendo equívoco!

Uma cultura sem professor é fraca, doente, sem história...

O maior ensinamento do velho é mostrar a vitória da humildade 
sobre a hipocrisia das convenções sociais.

Sua prova da perseverança esfacela a prepotência dos jovens que o ridicularizavam...

 Diante de uma luta total, 
o peixe, em um primeiro momento, 
seu inimigo, 
mostra-se um camarada,
 tão logo se tornam íntimos...

Ambos se alegram e aceitam morrer juntos, o que não acontece, 
pois o velho consegue "ficar um pouco mais", diante da necessidade das coisas, 
que são contingentes e finitas.

Basta assinalar que obras 
como o velho e o mar não são de "autoajuda". 

Na verdade são inspirações que motivam a pensarmos o real. 

A literatura, irmã da filosofia, exige pensamento...

O velho e o mar, 

assim como o xadrez,

nos testa a reconhecer a finitude das coisas, 
a beleza do mundo,

 o processo de geração e destruição-devir.

No mundo como moinho - "no mar não há cabelos que se possa agarrar!" 

(Nos diz o sambista Paulinho da Viola)

É necessário, pois, vencer a si mesmo que vencer ao mundo...

Mas, talvez, sequer seja possível vencer!

Mas temos empates e derrotas...e por que não?



O velho sabia disso, e o jovem menino, também.

Autor: Edgard Vinícius Cacho Zanette

As imagens utilizadas são públicas: www.pixabay.com

sábado, 9 de julho de 2016

Tempo lógico e tempo psicológico no xadrez


Zenão de Eléia

Filósofo Pré-Socrático do século VI ac., 
apresentava paradoxos que provavam que o movimento não existe.

Pensar o impensável, viver a multiplicidade, no tempo, que não pode ser explicado racionalmente!

Os argumentos dialéticos de Zenão mostravam que para realizarmos qualquer movimento entraríamos em contradição.

Um dos exemplos que justificariam a irracionalidade e irrealidade do movimento era que o veloz Aquiles jamais alcaçaria uma tartaruga, porque para alcançá-la seria necessário completar a metade do percurso, e depois a metade da metade, e, assim, sucessivamente, até jamais concluir o movimento.

Explicar a realidade, a multiplicidade e o tempo, são temas que norteiam a filosofia em toda sua historicidade.

No xadrez, o tempo lógico é aquele constante sequencial que organiza as jogadas em relógios. O tempo lógico é um e o mesmo, e nele temos o acontecer do jogo de xadrez segundo regras estáticas que devem ser seguidas.

Partidas que duravam dias e eram interrompidas, antes da era dos supercomputadores, Matchs dos campeonatos mundiais de xadrez eram decididos por equipes que permaneciam madrugadas pensando linhas de jogo...

Fantástico foi, sob este aspecto, alguns dos Matchs entre Karpov e Kasparov.

Nos dias atuais a lógica reinante do xadrez é cada vez mais veloz, até porque os desenvolvimentos tecnológicos impedem partidas jogadas e paralisadas por dias. 

O xadrez postal, certamente, hoje enfrenta dificuldades, pois os membros que "jogam limpo" são cada vez mais escassos.

O pensamento posto no jogo de xadrez e o tempo como elemento determinante, o uso do tempo é tema estratégico tão importante quanto estudar as fases do jogo.

Quando estava jogando torneios de xadrez convencional, uma regra que eu sempre utilizava, enquanto administração psicológica do tempo, era contar lances e pensá-los segundo um tempo definido, por exemplo: a partir do décimo lance, não jogar nenhum lance sem ser revisado, e com o uso mínimo de 4 minutos por lance.

Este uso psicológico do tempo me ajudou muito, pois em revisando minhas derrotas, percebia que por vezes me "empolgava" no jogo e fazia lances muito rapidamente apenas para uma satisfação psicológica minha ou mesmo por pura exibição ao adversário, no sentido de pressioná-lo, o que geralmente se mostrava uma estratégia infeliz e fracassada.

No xadrez relâmpago, ao contrário, jogava contra jogadores mais velozes que eu, e precisava manter uma qualidade no jogo, além de não ficar atrás no tempo.

O equilíbrio entre a qualidade do jogo e uma manutenção saudável do tempo, para não permanecer em desvantagem e possivelmente não ter tempo para os momentos decisivos da partida, esta é uma regra de ouro no xadrez.

Eu conheço, certamente vocês devem conhecer também, pessoas que jogam muito bem xadrez mas sempre perdem por tempo!

Isso é terrível!

É necessário levar a planificação do tempo, em âmbito psicológico, como elemento central da estratégia enxadrística.

A plasticidade do tempo psicológico deve ser entendida como uma arte de manobrar e enlaçar as necessidades temporais do jogo com os lances e a qualidade do jogo posta sob o tabuleiro.

A queda da seta é o fim do jogo. A luta contra o relógio está posta a nós tanto quanto o adversário que pretende nos dar xeque-mate!

Se o tempo lógico é um enigma posto sob os ponteiros do relógio de xadrez, por outro lado, o tempo psicológico deve ser nosso grande aliado.



Tempo, tempo, prodígio....

imposição

arbitrariedade a ser superada

sua psicologia é nossa

sua lógica é absoluta

e entre lances e pensamentos

entre a vitória e a derrota

 ou na paz de um passivo empate

ao que se move, permanece

 enquanto os lances passam

enxadristas brincam de vislumbrar um ínfimo do tempo

mas o tempo, ele mesmo, é e não é...

tal qual Zenão propõe quanto ao movimento?


Introdução à Filosofia - o existencialismo



Contra os temas clássicos da filosofia, sobretudo das metafísicas essencialistas, o existencialismo propôs que pensássemos sobre a condição humana no mundo, a partir de questões como: angústia, cuidado, trágico, desespero, etc.

Dizem os existencialistas que a filosofia, em geral, não abarca o mundo interior do indivíduo, bem como suas vivências imediatas.




Reivindicando a abertura a pensar temas polêmicos como a angústia, o suicídio, entre outros, o existencialismo defende que estejamos abertos a tudo. Nossa experiência sendo frágil e aparentemente relativa, a questão da criação de sentidos para nossa existência aparece como fundamental.

Em geral, o pensamento existencialista considera que não há uma essência absoluta, fundamente, a-histórica, que precederia a existência.  É pelos percalços da liberdade que construímos os significados do mundo.

Uma ideia fundamental é que não basta permanecer no plano dos conceitos e do abstrato, sendo necessário, pois, que encontremos as coisas mesmas, isto é, as coisas existentes.

Na filosofia contemporânea, o existencialismo se destacou a partir de diversas filosofias, sem que houvesse, no entanto, a unidade de uma doutrina única. Então, é importante assinalar que o existencialismo é mais uma postura filosófica que uma doutrina. Por exemplo, Sartre desenvolveu um existencialismo ateu, enquanto que Gabriel Marcel desenvolveu um existencialismo cristão, etc.

Gabriel Marcel (1877-1973) representa no existencialismo o questionamento sobre o mistério da existência, enfatizando a importância da experiência subjetiva, da relação "eu-tu" como contribuindo para nosso engajamento com o dramático da existência. 
Diante do mistério da existência, Deus é tratado como algo indemonstrável e presente a partir da própria experiência da finitude humana, a qual pode alcançar a Deus.


Jean Paul Sartre (1905-1980), considerado o maior expoente do existencialismo no pós segunda guerra, enfatizava que a liberdade é total. Absolutamente livres, os seres humanos fazem, e em fazendo, fazem a vida social e a si mesmos.

Condenados a sermos livres, encontramos a angústia. Para Sartre, autor da obra "O ser e o nada", a náusea, a angústia e a vergonha são emoções que manifestam a existência em sua autenticidade.

Para Sartre a existência precede a essência, de forma que, como tal, os seres humanos não podem abdicar de sua vocação à liberdade.

Sobre o tema, Sartre trata nossa tendência a nos enganarmos como uma "má-fé", isto é, o modo com o qual nós costumamos nos esquivar das responsabilidades.

É necessário que assumamos as responsabilidades pelo o que fazemos, assim como por nossos projetos.


É através de nossas escolhas que criamos os sentidos que orientam a vida social humana, neste sentido, a liberdade liberta mas também condena, pois, sem certo sentido, estamos condenados a ser livres.

Autor: Edgard Vinícius Cacho Zanette

As imagens utilizadas são públicas: www.pixabay.com