quinta-feira, 30 de junho de 2016

Introdução à Filosofia: A Filosofia do cuidado


 
Cuidar não é proteger, é cultivar
 
Quando protegemos afastamos algo perigoso - e assim nos precavemos por temor
 
Com o cuidado a situação é bem outra: nos precavemos por amor
 
Desde os gregos antigos a Filosofia pode ser entendida e cultivada como uma arte do cuidado
 
Cuidar do mundo, cuidar a sociedade, cuidar a si mesmo
 
O tempo, tomado como passagem (passado/presente/futuro)
exige que saibamos como organizar o mundo, a sociedade e também nossas emoções.
 
 
 
Como o tempo não para, ele pode estar a nosso favor ou contra nós.
 
Não é questão de dinheiro, ou questões estéticas, pois existe muitos ricos e pessoas belas que chegam a se suicidar de tamanha infelicidade.
 
Basta que olhemos os noticiários de hoje: uma ex-miss Brasil, depressiva e suicida...
 
A arte do cuidado, embora tenha sim o cuidado com a beleza, ela é muito mais...
 
Ocorre que destruímos nosso corpo pelos vícios e excessos. Assim como destruímos nossa mente pelos pensamentos estúpidos e pelos hábitos perniciosos
 
As dietas, cada vez mais insanas, são mostras claras de um desequilíbrio social. Qual o preço por sacrificarmos nossa saúde?
 
É claro que o perigo atrai. Radicalizar, surpreender, transgredir...Mas em toda transgressão, temos que calcular os riscos...
 
Vejamos o que o fazemos com o nosso corpo: todos os dias o limpamos, passamos perfumes, e de tempos em tempos cortamos os pelos e muitos até fazem procedimentos estéticos (vejam o que as mulheres gastam com isso!)
 
Comprar roupas, jóias e adornar, etc., toda essa ordenação do corpo, o culto do corpo, ele é deslocado, muitas vezes, do cuidado da mente
 
Descartes mostra com muita propriedade o quanto somos a mistura indiscernível de mente e corpo.
A alma humana não está no corpo como se este fosse um navio e ela um piloto, ao contrário!
 
Todo dano no corpo é um dano na alma, e vice-versa!
 
Desde os filósofos helenísticos gregos, como Epicuro, por exemplo, e boa parte da Filosofia Oriental, como o Budismo, estas mostram o quanto é equivocado dissociar o cuidado do corpo do cultivo da mente.
 
Cuidar do interior, fazer de si mesmo um experimento, esses são elementos importantes destas artes de trabalhar o nosso próprio ser para além da esfera estritamente estética.
 
Se o pacote da embalagem é fundamental, como todo bom marqueteiro sabe... seu conteúdo também o é! Como todo bom filósofo defende!
 
O ideal é que aparência e essência se complementem... Mas não é assim tão simples...
 
O real do que somos não deve ser  transgredido pelo exterior.
 
Michel de Montaigne mostra com muita propriedade o quanto somos escravos das convenções sociais. Dizia o filósofo que devemos criar um casulo, como ele fazia em seu castelo, e este lugar seria o espaço para que pratiquemos nossas experiências mais íntimas.
 
A metáfora do castelo é muito interessante. Em nossa mente devemos deixar espaços para que vivamos, pensemos e cultivemos experiências pessoais.
 
Família, emprego, convenções sociais, tudo isso deve ser administrado segundo limites, de tal modo que esse casulo, esse cantinho só nosso, seja a válvula de escape de uma existência que deve ser verdadeiramente vivida.
 
Viver para si mesmo - e quando tenhamos
 amor e amizade, que seja para edificar o castelo do nosso próprio ser.
 
Devemos selecionar quem adentra em nosso casulo...
 
O viver para si mesmo não é uma arte do egoísmo, ao contrário, em sua obra Ensaios o filósofo mostra que nossa experiência psicológica, de um eu que sempre está em construção, pois é inacabado, difuso e complexo, ele é mais bem sucedido quando encontra o outro.
 
Esta experiência com o amor e a amizade é justamente a ultrapassagem de uma esfera limitada para o alcance de algo que nos escapa, nos toca, nos seduz e traz felicidade.
 
A amizade verdadeira, dizia o filósofo francês, além de ser extremamente rara, ela é um dos maiores bens, pois nela ultrapassamos nosso eu (ego).
 
Podemos pensar tal situação como próxima do amor - amar não é gozar o outro, é gozar com...
 
É por isso que o estupro, por exemplo, não é apenas o uso do corpo de outrem, mas é uma transgressão radical e banal da própria humanidade.
 
O desrespeito à humanidade e à sociedade brasileira aparece claramente quando políticos que vivem às custas dos impostos da população chegam a fazer apologia ao estupro ou dizem que a culpa é da vítima...
 
Deixando de lado tais figuras bizarras da política brasileira atual,  todo amor deve ser relação/encontro -
 
É o "fazer junto".
 
Amor é cultivo da vida/encontro/gozo
 
Embora escrever assim seja simples, admitimos que a relação com o outro é sempre polêmica. Pois temos desejos e necessidades pessoais que colidem...
E não estamos bem sempre...Não são apenas as mulheres que têm TPM!
 
De todo modo, o equilíbrio, sempre ele, é a recomendação filosófica tradicional!
 
Quando o proteger é um cuidar, e mesmo um ciúme equilibrado, que é mais cuidado que ciúme, todos estes são elementos que, quando adequadamente administrados, eles esculpem a relação positivamente. 
 
Evidentemente, o contrário é prejudicial.
 
Já dizia Hipócrates em relação à Medicina: Faça que seus alimentos sejam seus remédios, e seus remédios seus alimentos!
 
É por isso que as brigas e separações são avassaladoras, pois mostram o abismo entre duas pessoas e a impossibilidade de manter o encontro.
 
O nosso eu, neste sentido, ele se realiza mais plenamente quando deixa de  viver apenas o si-mesmo e promove esta arte do encontro, do cuidado de si mesmo com um cuidado com o outro, o que chamamos em Filosofia de intersubjetividade.
 
 
A experiência desta intersubjetividade, do viver junto e do viver com é mais que uma necessidade ética, mas ela é também experiência estética.
 
O maravilhamento com o mundo, com o outro, neste processo de enfeitar nossas relações com as coisas, por estes processos somos capazes de edificar nossas emoções e experiências, atribuindo sentido e fazendo da vida algo prazeroso para além do puro prazer sensorial.
 
Tanto é melhor quando corpo e mente se cuidam e se confundem - É assim no amor e também no cuidado de si.



Autor: Edgard Vinícius Cacho Zanette
 
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quarta-feira, 29 de junho de 2016

Abertura Rui Lopez - Gambito Schiliemann - Parte II





Eis abaixo o link do nosso canal no Youtube, em vista do vídeo que fiz sobre a Abertura Rui Lopez - Gambito Schiliemann/Parte II



Vídeo no nosso canal do Youtube:

 
 
Obervação: Este vídeo é de nossa autoria e não deve ser comercializado ou utilizado para fins que não sejam pedagógicos.
As imagens utilizadas são públicas: www.pixabay.com

Amor





Não é momento: momentos passam
No amor, transbordamos os momentos
Na fluidez do tempo, nele os sentimentos permanecem e se vive o turbilhão de uma não-calma feliz
Mas há um momento de amar - ele acontece, mas sabemos por que?
Tal qual um encontro sem porquês
No jogo do amor, seu tabuleiro é o mundo, as peças somos nós, as jogadas sentimentos, o xeque-mate a felicidade

Mas nem sempre há xeque-mate!
 
Amar não é fácil: há que lutar!
É pelo encontro que a alegria de gozar o mundo, gozar a vida, fazer vida e se confundir com ela, acontece
 Há um querer estar com outro, no outro, em outro...
Amantes são loucos, bizarros, pois formam o "nós", e assim esquecem do "eu"

Amantes se confundem com a vida, e enlouquecem, embasbacam
É por isso que os amantes são ridículos, pois transbordam sorrisos, carinhos, arrepios, risadas, gozos e também saudade
Mas não amar é chato, é amargo, sem luz
Melhor é amar, embasbacar, ridicularizar o banal do mundo
Muito de corpo, mas tanto corpo quanto sexo, mas não apenas... muito mais que corpo, tem que ter alma... E tem! pois somos muito de alma e uma porção de corpo - Já dizia Descartes
Amar é transbordar em um reencontro com a vida
vida é amor
O resto é ilusão

O que o Peão disse para a Rainha?



Não tenho medo de você
 
Posso ser tão poderoso...
 
Tamanho não é documento
 
Além de tudo, se você me der mole: eu como!

Saudade


A presença da ausência
Sentir que está aí algo que escapa
Passado-Presente-Futuro: Confundem
E no amor do não-agora fica um prometido
É como um elo quase perdido
Que carrega a esperança do que não morre
Diferente do amor é ela: saudade
Pois amor exige presença/encontro

E o amor, uma permanência...
Já a saudade é alguma ausência
E sua dependência é viver o desencontro do que não é


 


Autor: Edgard V. C. Zanette

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segunda-feira, 27 de junho de 2016

Fundamentos do Xadrez: Abertura Rui Lopez - Variante Schiliemann

Dizem que a vida imita o xadrez - Será?
 
Enquanto a primeira nos põe no jogo sem que tenhamos escolha de entrar ou não, pois ninguém pede para nascer! No xadrez, podemos escolher jogá-lo ou não, mas uma vez que entramos nele, seu mundo nos absorve.
 
Saber apreciar as coisas, escolher com sabedoria, planejar o que queremos, tudo isso é capital na vida como no xadrez.
 
Alguns entre os que não sabem jogar xadrez dizem que o jogo é babaquice, coisa de nerd ou de maluco.  
 
Mas nem preciso dizer que idiota é quem faz idiotice! Como diz Forest Gump!
 
Se tudo, ou quase tudo, tem um começo, como diz Aristóteles: O princípio é mais que a metade do todo!
 
No mundo dos tabuleiros, começar bem uma partida é essencial.
 
A abertura Espanhola ou Rui Lopez é uma das mais importantes da história do xadrez.
 
Caracterizada a partir dos lances: E4-E5; CF3-CC6;BB5 - Ela é elegante e sempre volta renovada para o cenário dos Matchs e Campeonatos Mundiais. A Rui Lopez é uma espécie de obra de arte, sua fineza permite jogos belos, criativos, completos. 
 
Os estudiosos do xadrez aconselham que todo enxadrista que queira progredir de forma consistente no xadrez tenha em seu repertório e pratique a defesa Rui Lopez, isto porque:
 
1) Quando bem jogada, seja de brancas ou de pretas, ela possui consistência posicional, mas também permite deixar o jogo com caráter dinâmico, de forma que há espaço para a tática;
2) Por tratar de planos de jogo a médio e longo prazo, suas partidas costumam ter início, meio e fim - o que é bom para aquele que quer progredir de forma consistente no xadrez - Na defesa Rui Lopez ocorre o contrário da defesa siciliana que, por exemplo, muitas vezes a partida termina na passagem da abertura para o meio jogo, considerando a agressividade do combate;
3) A Abertura Rui Lopez possui uma gama muito grande de variantes, o que torna seu estudo uma arma importante no repertório daquele que joga contra jogadores mais fortes, pois tanto as variantes posicionais quanto as agressivas, todas elas, quando bem jogadas, mantém um equilíbrio na partida que costuma diminuir o desequilíbrio de forças entre os adversários, o que é bom para o jogador mais fraco;
4) As posições típicas desta abertura propiciam padrões que orientam o enxadrista a não precisar decorar todos lances, mas a seguir planos estratégicos a partir das posições típicas;
5) A relação entre ataques e contra-ataques no centro, na ala da dama e na ala do rei, estas situações típicas da Rui Lopez exigem que o enxadrista pense muito sobre como jogar as posições, ao contrário dos esquemas mais fixos e dogmáticos de ataques e contra-ataques que ocorrem em aberturas como a siciliana. A abertura Rui Lopez faz pensar! De forma que do enxadrista esforço para ter sucesso em suas partidas, o tirando da zona de conforto.
 
Eis abaixo o link do nosso canal no Youtube, em vista de um primeiro vídeo que fiz sobre a Abertura Rui Lopez, e iniciaremos com estudos sobre o polêmico e interessante Gambito Schiliemann.



Vídeo no nosso canal do Youtube:

 
 
Obervação: Este vídeo é de nossa autoria e não deve ser comercializado ou utilizado para fins que não sejam pedagógicos.
As imagens utilizadas são públicas: www.pixabay.com

domingo, 26 de junho de 2016

20 Conselhos para iniciar com sucesso os estudos de Xadrez

 
  1. Sempre jogar e estudar o xadrez de forma concentrada, evitando distrações, como conversas, assistir filmes, etc.
  2. Aprenda as regras do xadrez, o movimento das peças e a anotação do jogo
  3. O xadrez não é um jogo de azar. Portanto, leve o jogo de xadrez a sério, pois, sem estudo, não há progresso.
  4. É necessário estudar o jogo como se fosse uma disciplina escolar - Tenha um caderno de anotações e utilize-o muito!
  5. Crie um círculo de amigos e jogue xadrez com frequência
  6. Evite se irritar com as derrotas e sempre tenha um comportamento amistoso com seus adversários
  7. Seu entendimento do jogo deve partir do simples ao complexo - Evite estudar livros de xadrez que você não está conseguindo entender. Procure, inicialmente, os Manuais e Clássicos do jogo
  8. Aprenda a teoria clássica do xadrez e somente depois estude as teorias mais complexas
  9. Insira o xadrez em sua rotina diária e faça com que sua família não pegue ódio do jogo
  10. Saiba qual é o seu nível, de forma que procure, sempre que possível, jogar com enxadristas mais fortes que você
  11. Em suas partidas, a cada jogada que for fazer, faça uma revisão geral das possibilidades, verificando se não há uma armadilha do adversário nos lances seguintes
  12. Sempre tenha um plano de jogo - É melhor ter um plano ruim que não ter nenhum!
  13. Estude as três fases do jogo de xadrez (Abertura/Meio-jogo/Finais) com a mesma dedicação
  14. Não fique decorando aberturas complexas e variantes extensas, procure entender o sentido das aberturas, os planos gerais e conceituais que orientam uma determinada estrutura inicial do jogo
  15. Se possível, invista em um bom computador e tenha acesso aos programas de estudos de xadrez, como Rybka e Fritz, etc.
  16. Estude e jogue xadrez nos sites da internet com seriedade
  17. Após jogar uma partida, pense sobre o que aconteceu no jogo: interprete suas partidas - Busque soluções diferentes e opções que não foram vistas
  18. Tenha paciência para progredir no jogo e não desanime - Em geral, demora muito para progredir no xadrez
  19. Crie planos de estudo, com metas e prazos a serem alcançados
  20. Seja feliz jogando xadrez, pois o jogo dos reis deve proporcionar prazer e realização pessoal

Receita Filochess para um domingo agradável


 
Receita do dia:
 
 
- Aconchego do lar
 
- Uma pitada de Filosofia/não muito!
 
- Partidas de Xadrez bem jogadas
 
- Um tanto de preguiça, pois é domingo...
 
- Companhia selecionada/ou um bocado de saudade
 
 
Resultado:
 
O dia não foi perdido!

sábado, 25 de junho de 2016

MasterChef e os limites da sofisticação


 
Fiquei surpreso quando os mestres do MasterChef, essa semana, pediram para os candidatos novatos fazerem ovos!
 
Os caras tremiam!
 
 
Eis as provas: 1) ovo frito; 2) ovo cozido; 3) ovo quebrado em uma panela com água.
 
 
Os nomes de tais pratos são sofisticados, mas acima temos o que eles realmente significam.
 
O trato apurado, a cultura, o refinamento, a valorização de nossas refeições como rituais e momentos de prazer, tudo isso é válido e essencial.
 
 
Até Jesus ficou feliz com ceias fartas e festas regadas a vinho!
 
Mas o excesso, sempre ele, traz consequências perniciosas...
 
Aprender línguas e culturas, e até sou fã da língua e da Filosofia francesa, mas assim como na comida, é necessário deixar de lado
o excesso de sofisticação. 
 
Da alimentação ao pensar, da amizade ao sexo, a estilização passa por processos de complexidade que fabulam as coisas.
 
 
Os caras do MasterChef simplesmente entraram para ter sucesso como mestres da culinária e foram incapazes de fazer um ovo frito!
 
Senti tremenda vergonha por eles!
 
Errar é humano, mas cara, ovo frito?
 

 
Loucura!
 
Eu que felizmente tive a oportunidade de cursar a Universidade, vivendo ferrado e sem dinheiro por muitos anos, assim como meus amigos de república, todos nós nos tornamos mestres na arte de fazer ovos cozidos e fritos.
 
Chama atenção esse processo de sofisticação que enfraquece o ser humano, o tornando, muitas vezes, banal.
 
A luta contra uma estilização exacerbada, a criação de figuras ilusórias para satisfazer o mercado de uma elite sedenta e exigente em inventar divertimentos, tudo isso traz ao plano da Filosofia a necessidade de desconstruir supostas verdades.
 
 
A Filosofia também se tornou sofisticada e até incompreensível. Aparentemente ela está descolada do real.
 
Isso é um erro, pois, na verdade, poucas são tais Filosofias que pretendem ser inacessíveis ou restritas.

 
Em relação à sofisticação, certa vez tive oportunidade de comer em um restaurante chique francês. O peso na consciência foi o resultado, pois comi pouco de uma comida estranha, passei fome, e, além disso, por não saber usar tantos talheres fiquei constrangido na hora e fui embora com meu bolso vazio!
 
 
 
 
É claro que se rolar um jantar estiloso, sempre tem aquela foto para guardar e uma sensação de satisfação por termos acesso a algo caro, mas satisfação do paladar, esta não é garantida...
 
A prudência, desde Aristóteles, sempre é uma conveniente recomendação!
 
Mas como é difícil e chato ser prudente!
 
Um amigo meu que costuma dizer: essa história de cerveja gourmet é bobagem, bom mesmo é litrão!
 
De toda forma, particularmente eu e minha esposa somos adeptos das pratadas de arroz com feijão, acompanhadas de um bifão (estilo feito pela mãe) com um ovo (zoiudo) por cima. Se tiver salada, tudo bem, se não tiver, a barriga é generosa e não reclama de coisas gostosas e calóricas..."Pois, dizem alguns sábios, boca foi feita pra cumê"
 
Fico pensando as vezes o quanto fantasiamos, como sofisticamos coisas simples, e, assim, fingimos que elas são outras e deixamos de fazer o essencial.
 
 


Introdução à Filosofia: o que o Super-homem, Batman e as novelas da rede globo tem haver com a gente?

 
 
O culto de uma sobrehumanidade não surge filosoficamente apenas com o filósofo alemão Nietzsche (1844-1900).
 
Embora Nietzsche tenha uma filosofia muito interessante e complexa, e não trataremos de tal temática aqui, só queremos assinar que a ideia de que poderíamos superar nossa  humanidade sempre esteve presente em outros aspectos.
 
Ir além do comum, não sofrer a ação do tempo, não ser um perdedor, lutar contra a injustiça e vencê-la...
 
Todo grande herói não é apenas um vencedor, mas é aquele que também faz sacrifícios e é capaz de administrar enormes responsabilidades.
 
Quanto mais poderes, maiores as responsabilidades!
 
A química das emoções, os enredos que fazem chorar e emocionar, a injustiça.
 
O sofrimento da humanidade, a ausência de punição, o sucesso dos corruptos, tudo isso exige que a ordem natural seja alterada ou suplementada por alguns seres capazes de restaurar a justiça, ou ao menos manter um possível equilíbrio.
 
Alguns, pouco avisados, inclusive interpretam o real associando que a superação do colapso da política brasileira atual ocorreria através de heróis como o juiz Sérgio Moro. Tremenda tolice...
 
Hitler e Stalin foram retratados como heróis, que fariam uma "limpeza" e purificariam seus países...
 
Tomemos cuidado com tais discursos e ideias, a  noção de "sobrehumanidade" é algo complexo.
 
Quanto ao tema, fiquemos, por ora, com o que acontece no universo da mídia.
 
Entre o natural e o fantástico,
o universo dos quadrinhos se tornou uma cultura mundial.
 
Também é bom lembrar que todos os clichês dos romances populares, das novelas e dos quadrinhos, diferenças a parte, muitas vezes estão propondo soluções fantasiosas, geralmente pontuais, às políticas e contradições que operam no mundo.
 
O que faz que as novelas da rede globo, por exemplo, serem tão populares, assim como os desenhos de super-heróis, como batman e super-homem?
 
 Reconhecimento! Nós nos reconhecemos neles!
 
Nos angustiamos, sofremos, compartilhamos emoções e sentimos as felicidades e problemas dos personagens como se fossem nossos!
 
Aqui no Brasil é uma loucura, na noite do último episódio das novelas da rede globo, ninguém trabalha!
 
Um outro caso interessante a discutirmos é o do super-homem. Por excessivamente perfeito que ele seja, sua fraqueza principal não é a criptonita, mas sim o julgamento moral.
 
 
 
 
O que é melhor para ele: salvar um prédio incendiado com centenas de crianças ou sua amada Lois Lane?
 
Afinal, o que é mais importante para ele: Louis Lane ou a humanidade?
 
Essa questão entre o particular e coletivo, entre o sacrifício do indivíduo pelo todo, tudo isso que é tão filosófico e é algo que está em nossa vida cotidiana, nos filmes, nas novelas, nos quadrinhos.
 
O que queremos dizer é que este elemento trágico sempre está envolvido, e parece insuperável.
 
Embora meio estranho e decepcionante em alguns aspectos, o encontro entre Batman e Super-homem, no filme Batman Vs Superman: A origem da Justiça, ele  mostrou o quanto podemos ser traiçoeiros e invejosos!
 
O Batman, homem-morcego, antigo vigilante de Gotham  que se torna um filantropo milionário, ele vem sendo mostrado como um pouco infeliz.
 
Nesta infelicidade de um ricaço que precisa se ocupar com algo interessante, ao perceber o quanto seu colega é poderoso, ele se prepara e com muita astúcia monta uma armadilha para liquidar o homem de aço!
 
Que super-herói é esse?
 
Podemos perceber que agora a luta não é mais definida entre o bem contra o mal. 
 
No filme fica nítida a mudança de orientação, pois ambos parecem mais próximos de nós através de seus sentimentos e conflitos, e elementos como inveja, medo, ganância, etc, são mostrados neles tal qual estão em nós.
 
Entre tantas filosofias, interpretar o presente deve ser uma das principais!
 
Experimente assistir novelas e filmes a partir deste olhar mais filosófico, isso pode surpreender, pois o que parece algo prazeroso e normal, pode conter discursos, ideias e intenções mais profundas! Eis a sugestão.
 
 
Para quem se interessar sobre tais temas, nós lemos duas obras:
 
ECO, Umberto Eco. "Il superuomo di massa" - que na tradução que tivemos acesso ao francês fica "De superman au surhomme" (ECO, Éditions Grasse e Fasquelle, 1993).
 
E o popular:
 
Superman e a Filosofia: o que o Homem de Aço faria? Coord. William Irwin; Coletânea: Mark D. White. Tradução: João Barata. São Paulo: Madras, 2014.
 
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sexta-feira, 24 de junho de 2016

É possível entender racionalmente a loucura?





 A razão é associada ao certo, ao evidente, ao claro e distinto, ao correto. Enquanto que a loucura geralmente é tratada como a falta de razão, o erro, ou aquilo que não pode ser administrado da mesma forma que o pensamento racional.

Para René Descartes (1596-1650), a loucura escapa à razão. Por outro lado, muitos filósofos céticos defendem que a loucura inviabilizaria qualquer noção de verdade absoluta.

Georges Bataille mostra o quanto o ser humano é descontínuo e solitário.
Para o autor, a quebra da razão, através da proibição, aconteceria no momento da transgressão e do erotismo. Criticando, pois, a razão, a passagem abaixo é interessante:

"A vida humana está exausta de servir de cabeça e de razão ao universo, na medida em que se torna essa cabeça e essa razão, na medida em que se torna necessária ao universo, ela aceita uma servidão. Se não é livre, a existência torna-se vazia ou neutra e, se é livre, ela é um jogo" (BATTAILLE, Acéphale I. Paris: Jean-Michel Place, 1995).



É notável o entendimento diferenciado que podemos tomar acerca da razão. A defesa da razão como positiva é contrastada por autores que defendem que a razão escraviza o homem, o tornando, na verdade, um "acéfalo" (sem cérebro!).
 
Diante da suposta oposição entre a razão e a loucura, a filosofia se preocupa em determinar o lugar de cada qual e saber se podem cooperar ou se são excludentes.

Para determinados filósofos a razão pode, desde sempre, estar enlouquecida, e a loucura seria justamente isso que escapando ao claro e distinto  mostraria o quanto somos limitados, imperfeitos e que a racionalidade plena é uma ilusão.

Esta é a posição assumida, por exemplo, pelo falecido professor de filosofia Oswaldo Porchat. De nossa parte ensaiamos discutir a posição racional de Descartes contra a defesa cética da loucura, representada pela filosofia neopirrônica de Porchat.

Os céticos são aqueles que pelo uso da dúvida, colocam em xeque nossas pretensas verdades. O artifício da dúvida seria um filtro essencial para que possamos levar a sério nossos argumentos.
A dúvida opera como uma navalha posta de forma a ceifar todo argumento que apresente falhas ou inconsistências. Neste  sentido, enfrentar a dúvida ou submetê-la sempre foram alternativas dos filósofos dogmáticos para assentarem suas teorias. Esse foi o caso, por exemplo, de Descartes, que ao usar o veneno da dúvida cética com o fim de assentar a mais inquebrantável verdade, acreditou ter superado em definitivo a tradição cética.
De sua parte, os céticos vem denunciando que Descartes e sua racionalidade jamais passaram seriamente pelos argumentos céticos, mais fazendo um ceticismo fingido que imergindo na dúvida.

Tratamos tais temas no livro que publicamos "Ceticismo e Subjetividade em Descartes" e em um artigo em que opomos a perspectiva cética e a de Descartes. 
Para quem acha o tema interessante, abaixo segue o link para conhecer ou comprar nosso livro e também o link com acesso gratuito ao artigo completo que escrevemos sobre o tema:


Acima temos o link para conhecer/ou comprar o livro: "Ceticismo e Subjetividade em Descartes" - Autor: Edgard Vinícius Cacho Zanette/A venda pela editora CRV.
 

Abaixo segue o link do artigo:



http://issuu.com/edgard94/docs/zanette-e-revisitando-o-argumento-d/1

As imagens utilizadas são públicas e gratuitas, disponíveis no site: www.pixabay.com
 
Autor: Edgard Vinícius Cacho Zanette



quarta-feira, 22 de junho de 2016

Convergências e oposições entre o xadrez e a filosofia: o pensamento posto em questão






A arte é para gênios, os quais ultrapassam
regras e paradigmas.

Jogos são para apaixonados, principalmente como instrumentos de prazer e diversão.

Já a ciência é para aqueles que trabalham arduamente e tendem à sistematização do conhecimento.

O xadrez e a filosofia são duas áreas do saber que se relacionam: a filosofia é abrangente e o xadrez manifesta filosofias!
Isto porque a “mãe Filosofia” propõe diversos olhares acerca de um mesmo objeto investigado, de modo que o “compreender” algo sempre remete a um horizonte reflexivo diversificado. Cabe lembrar que na história da Filosofia ocidental diversos filósofos manifestaram paixão pelo xadrez, ou mesmo propuseram pensá-lo filosoficamente.

O que é o caso, por exemplo, de Wittgenstein (1889-1951) e Deleuze (1925-1995), entre outros. Também podemos considerar, em certo sentido, que gênios do jogo e da teoria do xadrez podem ser considerados filósofos, na medida em que ao interpretar o xadrez segundo novos paradigmas, contribuíram em revolucionar a compreensão geral acerca desta fascinante ciência.

Outro ponto de convergência são as duras exigências para progredir tecnicamente. Assim como acontece com a Filosofia, sobretudo nos dias atuais, não basta possuir talento mediano para chegar ao sucesso no xadrez. Para alcançar bons resultados nestas áreas, bem ou mal, é necessário estudar muito! Porém, estudar remete a saber estudar, saber planejar o tempo e o material utilizado, saber selecionar objetivos a serem alcançados a partir de etapas preestabelecidas.

Concentração e rigor no cumprimento de um projeto de trabalho é essencial. Podemos lembrar o que afirma René Descartes (1596-1650) no Discurso do Método: “pois é insuficiente ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem” (DESCARTES, 2010, p. 63).


Considerando este espírito do método como horizonte pedagógico, milhares de livros de xadrez foram escritos sobre estratégias de aprendizagem, sobretudo para que enxadristas de níveis iniciante e intermediário alcançassem a maestria. Alguns livros chegam a anunciar fórmulas mágicas, como se houvesse receitas de bolo para se tornar um Grande Mestre. Por outro lado, na vida real, para aqueles que não conquistaram nenhuma titulação, muitas vezes alcançar a maestria parece ser um enigma ou até mesmo algo místico e irrealizável.

Talvez o momento da vida de um enxadrista em que ele se dedica com todas as suas forças a alcançar considerável progresso técnico e prático seja o mais difícil de todos. Isto por que após alcançar o título de Grande Mestre, o jogador pode cair em uma fase muito ruim, baixar seu Rating e não conseguir mais vencer jogadores fortes. Ainda assim, ele jamais deixará de ter o título de Grande Mestre e ser reconhecido como tal!!

E quanto ao jogador de clube, que sempre está a um passo da maestria mas não consegue subir definitivamente de nível, como culpá-lo por se sentir fracassado?


Caso o xadrez seja pensado segundo uma perspectiva positivista, alcançar a maestria é o centro da questão e um requisito fundamental. Por outro lado, ao desmistificarmos esta interpretação equivocada e valorizarmos as contribuições pedagógicas e as ações afirmativas que o xadrez desencadeia no âmbito da inclusão social, ser um mestre não é o resultado ou o fundamento da prática enxadrística.

O xadrez de alto nível jogado por mestres é um aprofundamento do xadrez jogado como hobby por milhares de pessoas no mundo inteiro. Estes dois mundos não existem, não há um dualismo imanente ao xadrez. Dissociar o xadrez como se houvesse um que seria referente à vida comum e um outro praticado apenas por mestres é criar antagonismos inexistentes e desnecessários.


Diante da “eterna pergunta que fazem todos os jogadores de xadrez: Como posso melhorar meu jogo?” (YERMOLINSKY, 2002), muitos ficam frustrados com o xadrez e param de jogar, seja por não progredir ou mesmo por baixar a força do seu jogo, não conseguindo mais retomar um nível já alcançado. Muito se tem discutido se o jogo de xadrez é uma arte, um jogo ou uma ciência.

Xadrez é a diversidade na unidade, e a paixão que move milhares de aficionados esbarra na dificuldade de compreender o jogo como uma ciência, assim como é difícil ao iniciante entender as façanhas dos gênios que ultrapassam as regras normais de aprendizagem. Daí, provém, naturalmente, ilusões e frustrações.


De nossa parte consideramos fundamental desmistificar o chavão de tratar o xadrez como um esporte automaticamente saudável. O xadrez pode ser saudável ou não. Uma boa analogia é a palavra “droga”, ou o “fármaco” para os gregos. Por mais que a frase a seguir pareça de autoajuda, não deixa de ser verdade que um mesmo objeto pode ser remédio ou veneno, tudo depende do seu uso. Não traz vantagens aos praticantes do jogo considerá-lo intocável, puro e perfeito, de forma que só traria benefícios às mentes e às vidas das pessoas. Ao contrário, cada um é completamente responsável em desenvolver o equilíbrio interior para que o xadrez seja uma atividade saudável. Isto porque xadrez é muito viciante.


É de conhecimento geral que alguns enxadristas chegam a ter problemas psicológicos, e, caso não alcancem a completa insanidade, ao menos vivem de forma bem estranha, considerando os padrões de comportamento socialmente aceitos. O que queremos enfatizar é que o xadrez não está desenraizado de nossa natureza, a qual pode tender ao vício ou a virtude, à doença ou à saúde. Como dizia o Filósofo Epicuro em um texto famoso, intitulado Carta a Meneceu ou Carta sobre a Felicidade, o objetivo da vida feliz é o prazer! No entanto, o prazer deve ser maximizado com base no cálculo da utilidade e do dano, pois muitas dores são preferíveis aos prazeres quando um prazer maior advém por termos suportado a dor por longo tempo.


A inquietação constante é fonte de dor, enquanto que o verdadeiro prazer é alcançado pela tranquilidade do espírito. Assim, nos remetendo a estas breves observações acerca do pensamento de Epicuro, talvez, tão importante quanto jogar bem xadrez seria o refletir sobre a nossa relação pessoal com este jogo. Seja considerando o bem que pode nos trazer, ou mesmo o mal que já pode estar nos fazendo.

Jogar xadrez deve ser uma atividade saudável! No entanto, não há como negar que entre as mais torturantes sensações que um enxadrista poderá vivenciar estão aquelas das derrotas avassaladoras. Sobretudo quando deixamos escapar uma grande oportunidade de conquistar uma boa titulação, ou um pódio em uma competição importante. Em relação a este tema, todo manual de xadrez que tenha um mínimo de qualidade assinala a importância de utilizar a derrota como uma estratégia de aperfeiçoamento. Analisar as próprias partidas, algo tão importante na formação de um bom enxadrista, nada mais é que retornar ao legado Socrático: “Conhece-te a ti mesmo!”


Etimologicamente dizendo, a palavra método significa um “caminho a ser seguido”. Segundo o modo profilático de tratar o xadrez, quanto mais exato e isento de subjetividade o método, mais sucesso o jogador é capaz de alcançar. Seguindo por metáforas, notemos que Sócrates propõe a liberdade do pensar para o conhecimento de si mesmo, ressaltando a individualidade humana. Para o filósofo grego o verdadeiro método não é aquele que arranca o indivíduo de sua natureza, mas sim o que torna os indivíduos capazes de manifestarem a espontaneidade de suas individualidades.


Para Sócrates, por exemplo, a filosofia e os professores jamais poderiam transmitir a verdade, mas no máximo ajudar os indivíduos a descobri-la sozinhos. De um modo geral, o método socrático é conhecido por três elementos que se complementam, a saber: a ironia, a dialética e a maiêutica.

A ironia socrática se valia de perguntas feitas ao interlocutor, no sentido de oportunamente estimular o abandono dos prejuízos e a descoberta (parto) da verdade interior. Partindo de uma curiosa postura de afirmar saber que nada sabia (Só sei que nada sei!), Sócrates desmascarava a ignorância dos falsos sábios. Para Sócrates a dialética é um instrumento da busca pela verdade, pela qual seria possível ultrapassar, a partir da contraposição de teses, as aparências. Por fim, a maiêutica, literalmente, é a arte da parteira, a qual Sócrates se espelhava, limitando-se a perguntar, de forma que o interlocutor e não o professor fosse o detentor da verdade.

A maior dificuldade em ensinar e aprender a jogar xadrez está na condenação imanente a máxima socrática.


Na introdução do famoso livro de Alex Yermolinsky, traduzido ao espanhol como El Camino hace el progresso em ajedrez (CF. YERMOLINSKY, 2002), o grande mestre relata sua passagem pela forte escola soviética e toda a frustração de anos se dedicando ao xadrez sem conseguir progressos significativos. O método criado por Yermolinsky para seu treinamento autodidata foi inspirado em conhecidos conselhos de dois grandes ex-campões mundiais de xadrez: Alekhine e Botvínik. Este método não é outro segredo que estudar as próprias partidas e comentá-las exaustivamente em análises caseiras! (CF. YERMOLINSKY, 2002).


Podemos aprender com os professores e livros de xadrez a teoria clássica, os princípios e as regras gerais que norteiam o jogo segundo uma perspectiva profilática. É possível ser muito bem iniciado no movimento das peças, tática, aberturas, meio-jogo, finais, etc. Porém, sem uma proposta de investigação pessoal, conforme aquela relatada por Yermolinsky, por exemplo, toda ajuda exterior tende a tornar-se estéril.

Ademais, o xadrez atual ultrapassou a “clareza e distinção” dos métodos infalíveis e padronizados para a busca de pretensas verdades absolutas. Nas últimas décadas importantes teóricos do xadrez como, por exemplo, John Num, John Watson, Mihai Suba, entre outros, assinalam o limite para o uso de métodos estáticos como ferramentas pedagógicas.


É este caminho límpido e fácil até a maestria que muitos livros de xadrez propõem conduzir o estudioso atento e rigoroso. Grande ilusão! É o que muito apropriadamente afirma Jonh Watson, parafraseando Suba:



A maioria dos livros sobre teoria moderna consideram que melhorar nosso jogo mediante o estudo da estratégia, implica alcançar um nível superior ao de um jogador que não há tido este estudo. Isso pode ser parcialmente certo, mas o advertiria que o dogma introduzido pode ter um efeito em detrimento de sua criatividade. Trate de ler estes livros com olho crítico, como se não acreditasse uma palavra do que dizem. Memorize variantes de aberturas, técnicas no final, combinações, ideias, inclusive partidas completas, caso possa, mas não regras e dogmas (WATSON, 2002, p. 293).





Não intenciono refutar de modo tão inapropriado a teoria clássica do xadrez. Tampouco os autores citados acima teriam tal pretensão. Mas como praticante do jogo, professor de xadrez e de filosofia, há um bom tempo venho percebendo que estudos densos e sistemáticos muitas vezes possuem menos eficácia que o exercício e absorção pessoal de novas ideias. Seja as que tomemos de empréstimo acompanhando os jogos dos grandes mestres, ou mesmo nas análises caseiras que devemos fazer em nossas anotações. A partir destes estudos já realizados, aí sim podemos complementá-los ao contrapor nossas ideias às sugestões que um bom engine nos indica.


É claro que aqueles que possuem condições financeiras podem sim ter o auxílio de um professor ou de um mestre. Todavia, muitos de nós, como foi o meu caso, aprendem a jogar de forma autodidata. Por ser um jogo que incita o autodidatismo, o xadrez possui uma característica interessante de inclusão social e superação de classes. Há uma frase que diz: todo grande profissional começa com um bom professor! Sim, o professor é uma nobre profissão, talvez a mais importante. No entanto, esta é uma máxima que não pode ser tomada como regra no xadrez. É incomensurável a importância do professor de xadrez, mas acredito que o nosso jogo possui um caráter peculiar de ser, em grande parte, autodidata. Com a internet e os engines, os livros e os métodos de treinamento deixam de ser o centro da investigação enxadrística e dividem sua importância com estas novas ferramentas e tecnologias.


Quando usamos a palavra “vocação” para nos referirmos ao xadrez e a filosofia, intencionamos enfatizar este caráter autodidata destas duas incríveis áreas do conhecimento, nas quais é possível ser o mestre de si mesmo. No xadrez, hoje é fundamental estudar e respeitar a tradição, passar pelos métodos de ensino e progredir. No entanto, podendo compará-la ao espírito socrático, considero apropriadas as considerações de Watson e Suba no sentido de mostrar a importância do olhar crítico em relação aos paradigmas dos métodos enxadrísticos.


O verdadeiro mestre não é aquele vence todos os seus adversários custe o que custar, seja chutando adversários por baixo da mesa, ou usando indevidamente celulares com programas de xadrez nos banheiros, mas é aquele homem comum que está satisfeito e feliz com seu pequeno xadrez do dia a dia.





Referências Bibliográficas



DESCARTES, René. Obras Escolhidas. (Org.). J. Guinsburg, Roberto Romano e Newton Cunha. Tradução: J. Guinsburg, Bento Prado Jr., et al. São Paulo: Perspectiva, 2010. (Textos; 24).

EPICURO. Antologia de Textos. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores)

_________. Carta a Meneceu. Tradução: Álvaro Lorencini e Enzo del Carratone. São Paulo: UNESP, 1997.

NUNN, John. Secrets of Pratical Chess. London: Gambit, 1998.

PLATÃO. A República. 2. ed. Tradução: Maria Helena da Rocha

Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.

_____. O Banquete. Tradução: Jorge Paleikat e João Cruz Costa.

São Paulo: Abril Cultural, 1972 (Coleção Os Pensadores).

SUBA, Mihai. Dynamic Chess Strategy. Pergamon, 1991.

WATSON, John. Los Secretos de la Estrategia moderna em ajedrez: Avances desde Ninzowitsch. Tradução: Juan Sebastian Morgado e Roberto Gabriel Alvez. London: Gambit, 2002.

YERMOLINSKY, Alex. El Camino hace el progresso em ajedrez. Tradução: Juan Sebastian Morgado e Roberto Gabriel Alvez. London: Gambit, 2002.



Observação: esta matéria é uma revisão completa de um artigo que publiquei na edição 8 da Revista de Xadrez Meio Jogo – sob a coordenação do amigo Rogério Santos - Árbitro da Fide.
 
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Análise de Partida - Video Aula de Xadrez - Sacrifício Posicional- Parte IV - V




Parte Final desta série

Análise de Partida de Viktor Korchnoi trabalhando as noções de sacrifício material e sacrifício posicional - Partes IV e V

Parte IV

Link dos vídeos no nosso canal no Youtube:

Parte IV

https://youtu.be/yac-N6Wtlms



ParteV

https://youtu.be/a7Mlwjj4E60

Abaixo segue a partida para reprodução e estudos
Kortschnoj,Viktor (2695) - Petrosian,Tigran V (2615) [D37]

Torneio de Candidatos qf4 Velden (5), 1980

 1.c4 e6 2.Nc3 d5 3.d4 Nf6 4.Nf3 Be7 5.Bf4 0–0 6.e3 b6 7.cxd5 exd5 8.Bd3 Bb7 9.h3 c5 10.0–0 Nbd7 11.Qe2 c4 12.Bc2 a6 13.Rad1 b5 14.a3 Re8 15.Ne5 Nf8 16.Bh2 Qb6 17.f3 a5 18.Kh1 b4 19.Na4 Qb5 20.Ra1 N6d7 21.Nxd7 Nxd7 22.e4 Nf8 23.Bg1 Bc6 24.Rfe1 Rab8 25.axb4 axb4 26.b3 c3 27.Bd3 Qb7 28.Ba6 Qd7 29.Bh2 dxe4 30.fxe4 Qxd4 31.Rad1 Qa7 32.Bxb8 Rxb8 33.Bc4 Be8 34.Rf1 Bg5 35.Rd5 Qe7 36.Nc5 g6 37.Qf2 Bh6 38.e5 Bg7 39.Ne4 Bxe5 40.Re1 Kg7 41.Nd6 Bxd6 42.Rxe7 Bxe7 43.Rd1 Bf6 44.Rf1 Nd7 45.g4 Rc8 46.Bb5
1–0


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